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                              Texas, 2011.

Acordei assustada aquele dia, com o barulho de algo de vidro se partindo. Sentei em minha cama e esfreguei os olhos com as costas de uma das mãos. Em meio ao barulho do cacos ecoando pela casa, uma voz masculina e conhecida disse alguma coisa. Ela se misturou de repente com uma voz feminina surgindo aos poucos, me fazendo suspirar de alívio.

Me senti aliviada por reconhecer as vozes dos meus pais.

Pela altura das vozes e o barulho do vidro sendo arrastado, só poderia vir da cozinha,  o que eu confirmei assim que cheguei ao local, me arrastando bem devagar e descalça para não fazer barulho e me pegarem acordada tão tarde. O que não seria culpa minha, já que foram eles quem me acordaram com o tal barulho de vidro quebrado.

- Que droga Roman, você me assustou! - mamãe disse, recolhendo os pedaços do que eu descubro ser uma garrafa. Ela fez tudo no escuro.

- Não se assustaria se estivesse fazendo algo decente. - ele retrucou. - Não acha que está tarde demais pra essas coisas?

- Nunca é tarde demais para encher a cara. Ainda mais em um momento como esse.

A resposta dela me deixou surpresa. Eu sempre soube que o que minha mãe bebia não era chá como ela sempre me dizia. Chá não teria cheiro a gasolina. Mas sempre quando eu tentava lhe dizer que sabia muito bem o que era o tal chá esquisito, ela me pedia silêncio e depois, para que eu mudasse de assunto.

Ver minha mãe confessando que bebia foi bem estranho.

- Também estou passando por isso e você não me vê enchendo a cara por aí como bêbado de esquina.

Ela soltou uma risada anasalada antes de se levantar com as mãos cheias do que era uma garrafa de wisky.

- Você só não bebe porque acha que Jesus vai te castigar por isso, como se tudo já não estivesse um inferno.

Neste instante, depois de sua resposta para ele eu vi o sorriso em seus lábios desaparecer rapidamente, seus olhos tomando um brilho de arrependimento. Ela encarou meu pai por alguns segundos enquanto ele não disse nada, descendo seus olhos para as mãos dela cheias de vidros partidos.

O pequeno pedaço de luz vindo de uma das janelas abertas iluminou o caroço descendo pela garganta dela.

A mão do meu pai deslizou para o antebraço da minha mãe.

- Eu não quis dizer isso. - ela confirmou para ele, abaixando o tom de voz.

- Tudo bem, sei que está blefando. Alcoólicos fazem isso com as pessoas. Foi por isso que parei. - ele a acariciou devagar, enquanto fitava seus olhos. - Você não quis dizer isso, não é?

Ela negou com a cabeça.

- Foi o que pensei. - ele sorriu, descendo a mão até chegar nas dela, ocupadas pelos vidros. - Acho que já está tarde demais para conversarmos, não? - ela não disse nada. - Vamos deitar, amanhã é um novo dia. Um dia importante.

- Tudo bem, eu só vou me livrar disso aqui e...

- Não se preocupe, eu me livro disto para você. - quando a mão dele apertou a dela por cima dos vidros, eu pude ver sua expressão de dor. Os olhos arregalados observando meu pai apertar sua mão como se elas não estivessem ocupadas por pedaços de vidros bem afiados.

Fiquei tão apavorada com a cena a minha que sai correndo, me fechando de volta em meu quarto. Me cubri de volta com meu cobertor até o pescoço e me virei para a parede, tentando pensar em outra coisa que não fosse meu pai tentando machucar minha mãe de propósito.

HEAVENWhere stories live. Discover now