c a p í t u l o 2 4

302 34 33
                                    

Minha primeira reação é gritar mas não faço. Quero dar as costas e fingir que esses nove meses não aconteceram mas não consigo, meus olhos estão focados na mão de Lilly segurando a mão de Harry sobre a cama. Meu rosto esquenta e não é de vergonha, é raiva. Raiva do tipo que é capaz de começar guerras e derrubar prédios inteiros num piscar de olhos. Fico em silêncio esperando na porta do quarto como uma visita indesejada que espera o aval do dono da casa para entrar. Apesar da raiva que parece me corroer por dentro feito ácido, tento não deixar isso transparecer, tenho total consciência de que os meus sentimentos são minha responsabilidade e que ninguém além de mim tem que lidar com as consequências que eles trazem. Lilly percebe a minha presença e ergue uma sobrancelha perfeitamente delineada me olhando com o mesmo desprezo do dia em que Iris deu um senhor tapa na sua cara de modelo da Carolina Herrera. Anne se afasta de Harry e franze o cenho ao me ver parada na porta, ela faz um movimento com a mão me chamando para perto e não demoro a atender seu pedido.

Tento olhar somente para Harry e a cada passo que dou em sua direção sob o olhar ferino de Lilly, tenho mais vontade de sair daqui. Anne me surpreende ao entrelaçar sua mão na minha e colocar sobre a mão livre de Harry, todo o meu corpo fica em alerta e sinto como se tivesse uma granada no lugar do meu coração. O silêncio é quase sufocante e preciso reunir cada célula de energia do meu corpo para afastar minha mão.

— Anne, eu... — Lilly começa a falar com lágrimas escorrendo por suas bochechas e é involuntário não ter vontade de revirar os olhos, dou um passo atrás e fico esperando a reação de Anne que levantou a mão interrompendo a loira.

— Continuo sendo Sra Styles pra você, Lilly. — Anne diz severamente e meus olhos quase pulam para fora do meu rosto quando ouço sua voz. — Me acompanhe até a lanchonete, tenho muitas coisas para falar e não quero que isso seja feito na frente do meu filho ou de Melanie.

— Não vou sair do lado dele, quero estar aqui quando ele acordar. — As palavras de Lilly são como gasolina num incêndio e dou um passo a frente voltando ao lado de Anne segurando sua mão que agora está fechada em punho.

— Você não acha que está nove meses atrasada pra isso? — Anne pergunta com repulsa e mágoa evidentes em sua voz. — Tenha a decência de se levantar dessa cadeira e vir comigo, ou vou ser obrigada a pedir para segurança tirar você daí a força.

— Você não tem esse direito, quem tem que sair daqui é essa garota aí! Eu sou a namorada de Harry há anos e você sabe disso. — Lilly rebate me olhando com desdém e tenho vontade de me encolher até sumir. Anne respira fundo fechando os olhos e se afasta da cama de Harry soltando a minha mão.  Anne quebra o silêncio e juro que consigo enxergar faíscas saindo de seus olhos quando ela olha para Lilly.

— É mesmo? Quem não tem direito nenhum de estar aqui é você, onde estava esse amor e dedicação pelo meu filho enquanto ele estava em coma? Por nove meses quem esteve aqui e nos deu apoio foi a Melanie e sua família. Foram noites e mais noites que essa menina aqui deixou de dormir confortavelmente em sua cama para vir ficar com o meu filho quando eu não podia. Agora é muito fácil pra você vir até aqui com essa pose de devotada quando ele está prestes a acordar.  Venha comigo, agora! — Anne exige e vendo que não tem para onde fugir, Lilly se levanta contrariada e sai do quarto sem esperar por Anne. Ela fica em silêncio passando as mãos no rosto para impedir as lágrimas que estão ameaçando cair.

— Tem certeza que é uma boa ideia? — Pergunto baixinho e Anne assente. — Eu vou junto, não vai dar boa coisa essa conversa de vocês.

— Não me leve a mal mas preciso fazer isso sozinha, Melanie. Essa garota precisa entender a gravidade do que ela fez, ou melhor dizendo, do que deixou de fazer. Ela não pode aparecer aqui achando que tem direito de estar ao lado do meu filho, ela nunca esteve aqui por ele. — Anne fala com a voz embargada e calafrios balançam meu corpo. — Não vou deixar que ela bagunce a cabeça dele outra vez, ela não tem esse direito. Por favor, fique aqui e se ele acordar, me mande uma mensagem.

— E se você precisar de alguma coisa, me manda mensagem também. — Falo e ela me dá um abraço apertado antes de sair do quarto.

Fico em pé ao lado da cama de Harry e me sinto absurdamente fora de lugar, não me sinto como se tivesse passado todos esses meses aqui. Me forço a sentar na mesma cadeira em que passei noites dormindo e como se fosse possível, ela parece mais desconfortável do que nunca. Observo Harry dormindo mas não sinto a mesma tranquilidade de menos de doze horas atrás, as palavras de Anne estão flutuando ao meu redor e pela primeira consigo perceber que eu realmente tenho meu lugar no coração dela. Repasso a mesma cena várias e várias vezes na minha cabeça e mordo os lábios prendendo um riso nervoso que tenta escapar, me dou conta do quão constrangedora e irreal toda situação é que minhas risadas se tornam soluços e eu volto a chorar me sentindo completamente incapaz de controlar minhas próprias emoções. Escondo meu rosto em minhas mãos e sinto minha cabeça pesando meia tonelada tamanha confusão que me impede de pensar com clareza. Lembro das conversas que tive com Dr. Mason e me apego no conforto e sabedoria das suas palavras para controlar meu choro, dou o meu máximo para conseguir tomar as rédeas da situação.

Tento me distrair mexendo no celular e vejo olho que mal se passaram vinte minutos desde que Anne saiu daqui com Lilly. Me empenho em manter o controle e continuar tranquila para dar conforto e apoio a Anne após essa conversa que tenho certeza que foi tudo, menos calma e apaziguadora. Sem nada para ficar vendo no celular acabo bloqueando a tela e guardando no bolso do meu casaco. Encosto minha testa na beirada da cama, fecho os olhos para pensar com mais serenidade. 

Desperto como se um balde de água gelada tivesse sido jogado sobre minha cabeça e fico sem reação quando me dou conta de que um par de olhos verdes feito duas esmeraldas está me olhando com medo em seu estado mais bruto. Me movo devagar sem quebrar o nosso contato visual e com movimentos quase imperceptíveis me esforço para tirar o celular do bolso e avisar Anne que Harry está acordado. Como se minhas articulações fossem de ferro completamente tomadas por ferrugem meus dedos deixam o aparelho escapar e cair no chão feito uma fruta podre, chego para a ponta da cadeira tentando puxar o celular para perto com um pé e num piscar de olhos me desequilibro. Sinto que tudo está em câmera lenta quando me dou conta de que estou caindo de bunda no chão e a cadeira escorregando para bater na parede num baque que parece ser mais alto do que um acidente de trem. Os aparelhos conectados a Harry começam a apitar descontroladamente, ouço seu choro antes de conseguir levantar para ver seu rosto. Levanto do chão e aperto o botão chamando a enfermeira, volto a chorar quando vejo seus olhos fechados e o cenho franzido numa expressão de dor. Enquanto não vejo nem sinal de enfermeira e o celular está longe demais para chamar Anne, faço a primeira coisa que vem na minha cabeça. 

Sem jeito e terrivelmente assustada, me debruço sobre a sua cama tentando confortar seu choro e mandar o medo embora com um abraço torto. Me surpreendo quando sinto seu corpo reagir ao meu e os sons começam a abrandar ao nosso redor, estou trêmula e completamente perdida quando me afasto. Harry mantém seus olhos fechados quando seco seu rosto com cuidado, não consigo controlar o reflexo de tocar todo o seu rosto com a ponta dos meus dedos. Sua expressão relaxa e entre lágrimas dou um leve sorriso quando vejo seus olhos me encarando novamente. O medo dentro deles é uma facada no meu coração e antes que eu possa me repreender, alcanço sua mão e dou um leve aperto tentando transmitir força e conforto. A situação é completamente delicada e apesar de ser desejada, é completamente inesperada. Fico observando cada detalhe de seu rosto por minutos que passam devagar até que sua expressão finalmente relaxa e ele pisca pesadamente antes de voltar a dormir com nossos dedos entrelaçados. 

The Only Reason - HSWo Geschichten leben. Entdecke jetzt