c a p í t u l o 0 4

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O primeiro final de semana na casa nova foi horrível, as paredes brancas demais, tudo silencioso demais fazendo meus pensamentos gritarem ainda mais alto dentro da minha cabeça. Mal vi minha mãe desde a noite em que chegamos aqui, como sempre, tudo é mais importante que eu ou algo relacionado a mim. Hoje deveria ter sido o meu primeiro dia de aula na escola nova mas não acordei a tempo, meu sono estava descontrolado e quando dei por mim já estava mais que atrasada. Não me dei ao trabalho de sair de casa desde o meu surto na sexta-feira, acho que ainda não estou pronta para andar pelas ruas sem lembrar de todas as coisas que já vivi aqui. Não tinha ideia de que estávamos tão perto do lugar onde ele foi assassinado e odiei minha mãe por isso, ela não viu o lugar, ela não estava lá. Parece que estou sendo perseguida pelos meus piores pesadelos da minha infância e ela nem sequer percebe, ou faz isso muito bem e usa todas as minhas fraquezas contra mim. Coisa que não duvido muito.

Parece que o tempo está se arrastando então decido sair para dar uma volta e ver o que mudou — não que eu me lembre de muita coisa —  desde quando estive aqui pela última vez, pouco antes de nos mudarmos para a Irlanda e tantos outros lugares,  muito tempo atrás. Pego meu celular, fones e o dinheiro que minha mãe me deu e eu deixei no criado mudo ao lado da minha cama e saio do quarto ajeitando meu cabelo num rabo de cavalo alto. Não me preocupo em trocar de roupa, estou usando uma leagging preta e casaco de moletom cinza, tênis e meias, estou arrumada até demais para quem só vai dar uma volta no bairro onde está morando.  Desço as escadas de dois em dois degraus e pulo os três últimos, pego a chave que está na fechadura da porta e tranco antes de sair, diminuo o ritmo quando chego na calçada e encaro a casa gigantesca na luz do dia. Parece tão grande e tão vazia que se não fosse a cor clara da faixada, poderia ser set de um filme de terror sem o menor problema. Dou uma risada seca e viro as costas para esse exagero de casa enquanto o vento frio congela meu nariz e clareia meus pensamentos. 

Parece que me sinto mais leve a cada passo que dou para longe de casa e ainda não consegui decidir se isso é bom ou não.  As ruas me parecem familiares quando caminho lentamente tentando conhecer o lugar onde estou morando, já sei que aqui tem um parque lindo e bem grande que é todo cercado por grades de ferro, nele tem um lago com um pedaço de terra, — quase uma pequena ilha —  cercada de grama bem no meio e nessa "ilha" tem uma construção que parece um templo grego, tudo isso bem no meio do lago. Fico encantada com a delicadeza do lugar e me atrevo a atravessar a pequena ponte cercada de pedras e árvores secas para chegar até o lugar que eu descubro, graças a uma placa, que se chama O Templo de Apolo. O lugar é tão bonito que tiro uma foto e quase envio para Jessica e Víctor, um péssimo hábito que ainda não morreu. Sento em uma das pedras que ficam fora da construção, na grama, e sinto como se tivesse encontrado um lugar seguro no meio da tempestade que eu tenho vivido há tanto tempo. 

 Eu nasci e vivi em Kierstenside até os meus seis anos de idade, quando minha mãe resolveu sair da cidade às pressas logo após a morte do meu pai. A última lembrança que tenho daqui foi quando minha mãe gritou comigo e me arrastou para o aeroporto dizendo que eu não tinha mais ninguém e que teria que lidar com isso querendo ou não. E que por minha causa meu pai estava morto e meus avós tinham sumido de tanto desgosto. Desde então tenho sido sozinha já que minha mãe está sempre enrolada com os negócios que meu pai deixou e tentando posar de rainha da plenitude quando na verdade sei que ela se sente tão sozinha quanto eu. Só queria que ela me tratasse como sua filha, que demonstrasse um pouco de carinho ou algo do tipo já que na maior parte do tempo só parece que sou uma mobília que não pode ser vendida ou deixada de lado por alguma razão que ninguém conhece. Sei que quando ela me olha, enxerga ele em mim, tirando meu cabelo loiro que parece com o dela, sou quase uma cópia dele.

The Only Reason - HSWhere stories live. Discover now