c a p í t u l o 1 0

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- Luvas, máscara, touca, óculos, álcool em gel, jaleco, calça, sapatos e camisa brancos, ok. - Repito minha checagem em voz alta pela terceira vez enquanto reviro minhas anotações. Termino minha inspeção e fecho minha bolsa antes de deitar para tentar me forçar a dormir pela terceira vez essa noite. Estou me sentindo uma pilha de nervos. Hoje vai ser o meu primeiro dia como estagiária no laboratório do K.S.H. e me sinto a beira de uma crise de riso ou dor de barriga. As horas passam se arrastando e no relógio os números piscam vagarosamente parecendo não querer sair das 03:37 a.m.. Sei que eu deveria estar dormindo e descansar até às 07:30 a.m., pelo menos, mas minha cabeça está em pleno vapor martelando tudo o que aprendi nos últimos meses de curso. Doze horas dentro de um laboratório trabalhando como uma técnica de análises clínicas. Doze horas colocando tudo o que eu aprendi em prática. Respiro profundamente e libero o ar devagar tentando controlar a ansiedade que está se alastrando em meu corpo feito um vírus.

Se alguém me dissesse que em poucos meses morando em Kierstenside eu teria encontrado uma melhor amiga, feito amizade com três adultos, começado um curso e que teria deixado alguém chegar perto do meu coração sem me iludir, teria perguntado de onde essa história maluca saiu e sairia correndo. Estou orgulhosa de quem eu sou. Bem, pelo menos do meu esforço para construir um futuro que sei que meu pai se orgulharia. Queria que minha mãe também pensasse assim, que valorizasse meu esforço e me apoiasse. Mas sei que isso é pedir demais então fico quieta esperando pelo dia em que ela vai me enxergar como sua filha outra vez. Levanto da cama e praticamente me arrasto até a cozinha, me assusto quando vejo a luz acesa e minha mãe sentada num banco com os cotovelos apoiados sobre a bancada com as mãos enfiadas em seus cabelos enquanto fica encarando um copo de uísque.

- Boa noite, mãe. - Falo e ela me olha por alguns segundos e caminho até a geladeira, pego uma garrafa de suco e refaço meu caminho sem ouvir sua voz. Quando chego ao topo da escada e olho por cima do ombro vejo minha mãe com as mãos cobrindo o rosto e seu corpo inteiro balançando por causa do choro. Não sei como agir. Fico em silêncio até ter certeza de que eu não estou ouvindo coisas, então um soluço agoniado vem dela e imediatamente sinto meus olhos arderem também. Faz tanto tempo que não vejo nenhuma reação além do cenho franzido e olhar gelado que acabo ficando paralisada no mesmo lugar ao ver que ela está chorando. Um choro dolorido e amargo que vem de dentro da alma da gente, eu venho chorado desse mesmo jeito desde o dia em que perdi tudo, inclusive ela.

Não sei o que fazer. Não sei como agir. Não sei se finjo que não ouvi. Acabo lutando contra todos os meus instintos que estão gritando e acendendo alertas vermelhos para que eu não vá em sua direção e desço as escadas devagar lutando contra minhas lágrimas enquanto caminho até minha mãe. Ela está tão imersa em seu choro que não me vê chegar e se sobressalta quando eu a abraço. Ao contrário do que eu desejava, ela se solta dos meus braços e me empurra, dou alguns passos trôpegos para trás e ela me olha com raiva. O arrependimento começa a correr em minhas veias junto com o medo em meu sangue, fico quieta sentindo meu corpo inteiro tenso e grito quando ela termina de beber o uísque e taca o copo vazio na parede ao meu lado.

- Não quero você aqui. - Ela diz enquanto limpa debaixo dos olhos com os dedos, a voz terrivelmente arrastada.

- Eu só queria ajudar, te ouvi chorando e fiquei preocupada. - Falo tentando controlar o tremor em minha voz.

- Se eu não pedi ajuda é porque eu não quero, Melanie. Ainda mais a sua ajuda. - Ela diz com sarcasmo e meus olhos se enchem de lágrimas outra vez. - Saia daqui, me deixe sozinha, olhar para você com essa cara de choro me deixa ainda mais irritada. Saia! - Ela grita antes de pegar a garrafa de uísque pela metade e virar um gole. Me sinto tonta demais para sequer dar um passo sem cair de joelhos no chão lotado de cacos de vidro. Isso enfurece minha mãe e ela levanta em um rompante e segura em meus braços com força e me balança.

The Only Reason - HSWhere stories live. Discover now