c a p í t u l o 1 4

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Minha cabeça está girando. Meus olhos estão sem foco. Tem um zumbido nos meus ouvidos que está acima do barulho ao meu redor. Meu coração só está bombeando o sangue porque está acostumado com isso. Todo o meu corpo está paralisado. A sensação é que o tempo passou rápido demais e eu continuei estagnada aqui. Tio John teve que voltar para o seu plantão e estou sentada nessa cadeira desconfortável de plástico encarando um guardanapo de papel há sei lá quanto tempo. Tento ler as palavras que ele escreveu mas não consigo entender uma palavra sequer e isso não tem nada a ver com o seu garrancho típico de médico.

Eu não consigo nem organizar um pensamento coerente depois de tudo o que eu ouvi. Uma sensação de alívio começa a me aquecer de dentro para fora feito uma caneca de chocolate quente no inverno mas então a dor da perda me derruba feito um castelo de cartas de baralho. Perguntas que eu me fiz a vida inteira agora tem suas respostas e eu mal consigo respirar.

Estou dividida entre o racional e o emocional. O racional diz que tenho que levar em consideração que ela estava com depressão e essa era a terceira tentativa de seguir com a gravidez em quase dois anos e que ela estava com cinco meses e vivia em repouso quase absoluto por causa de problemas causados pelos abortos anteriores. O que não sai da minha cabeça é que foi ela quem insistiu pra ele sair. Foi ela. Ela. Não foi graças ao meu capricho que saímos tão tarde de casa naquela noite, foi porque ela viu um comercial sobre uma torta e sentiu desejo. Ela quem não quis ficar passando vontade. Ela. Eu deveria me sentir mais tranquila ou até mesmo feliz por saber que não tive culpa, que não foi por ser uma criança insuportável que levei meu pai para aquele maldito lugar, porém a única coisa que consigo sentir é um enorme vazio. O emocional quer gritar e espernear aos quatro ventos e exigir que ela seja cobrada pelo o que fez comigo durante todos esses anos de abuso psicológico, por todos esses anos em que ela me acusou de ter sido a culpada pela morte do meu pai.

Diferente do que eu fui levada a acreditar, meu pai não morreu na mesma noite em que foi baleado, ele lutou por quase uma semana e não resistiu. Ele não foi o único a partir naquela noite. Minha mãe passou mal e perdeu o bebê poucas horas após a confirmação da morte do meu pai. Eu perdi um irmão e meu pai no mesmo dia e não fazia ideia disso. Esse pedaço da minha vida ficaria oculto até o fim dos dias se eu não tivesse sido trazida para cá. Ela continuaria me culpando e eu acabaria me matando pelo peso da culpa. Enfio a mão no cabelo e me sinto enjoada quando o peso dessas descobertas ameaçam me esmagar.

Caralho, isso dói demais.

Lembro que uma vez ouvi alguém dizer que temos que honrar pai e mãe, amá-los e respeitá-los, mas como vou fazer isso se perdi meu pai e minha mãe foi capaz de me infligir tanta dor propositalmente? Como uma mãe é capaz de ferir, isolar e negligenciar emocionalmente sua única filha? Essa continua sendo a pergunta que não foi respondida e depois de tudo que eu ouvi hoje, não sei se vale a pena procurar a resposta, não acho que eu consiga aguentar escutar a versão da minha mãe.

Minha vida toda foi uma mentira inventada por uma mulher que enlouqueceu depois que perdeu o marido e o filho que esperava. Levanto da cadeira aos tropeços e tento não vomitar quando as palavras de tio John começam a ecoar no fundo da minha cabeça. A cada passo que dou o peso da culpa diminui e dúvidas recheadas de sentimentos ruins crescem em seu lugar: Por que não fui o bastante para amenizar a dor que ela sentiu? Por que ela deixou de me amar? Por que ela desistiu de mim? Não consigo encontrar uma resposta enquanto saio do hospital e procuro um táxi para voltar para casa.

O trajeto é rápido e silencioso, entrego as duas notas que Tio John me deu e saio do carro pisando duro em direção a porta da frente. Uma trovoada ronca alto e o vento faz meu cabelo virar uma nuvem escura ao redor do meu rosto. Paro na frente da porta e olho ao redor de toda propriedade como se nunca tivesse pisado aqui antes. Moro aqui há tanto tempo e nunca parei pra reparar no jardim bem cuidado ou na piscina gigante que fica bem iluminada quando anoitece. Prendo a respiração e volto a encarar a porta, viro a maçaneta e entro, atravesso a sala rapidamente e paro no topo da escada. Consigo ouvir minha mãe berrando com alguém no telefone e ao invés de me esconder no quarto, abro a porta com força e entro. Ela continua falando no telefone sem me dar atenção, logo reparo que seus olhos castanhos estão cansados e seu cabelo não está perfeitamente penteado como sempre. Ela parece cansada e incomodada. Empurro pra longe a vontade de perguntar se ela está bem e tento organizar a confusão de sentimentos que estou sentindo.

The Only Reason - HSWhere stories live. Discover now