c a p í t u l o 2 5

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— E em suma, ele vai precisar de fisioterapia, acompanhamento psicológico e, acima de tudo, apoio. — Dr. Cooper, médico neurologista que acompanhou o caso de Harry desde o primeiro dia aqui diz e Anne assente limpando o nariz com um lenço de papel. — Seu filho escapou quase sem sequelas de um acidente onde a cada dez vítimas, oito morrem ou ficam em estado vegetativo.

— Ele corre o risco de voltar a entrar em coma? — Pergunto baixinho sem conseguir tirar os olhos da porta do quarto onde Harry está.

— Não, as primeiras doze horas são extremamente importantes e dependendo do resultado dos primeiros exames, o paciente deve ficar em observação. Como eu já disse, Harry é uma exceção a regra e se eu não tivesse acompanhado o caso dele desde o início, não diria que ele esteve em coma por todo esse tempo. Apesar de estar com os movimentos mais lentos e talvez precisar de um fonoaudiólogo, ele está com a saúde de quem tirou uma soneca demorada demais e acordou.

— Fonoaudiólogo? — Anne pergunta com a voz beirando o desespero e olho para tio John pedindo resposta. — Meu filho perdeu a voz?

— Não, Sra Styles. — O médico nos tranquiliza. — Ele esteve em coma por nove meses por conta de um traumatismo craniano muito severo e teve algumas complicações com a traqueostomia, é apenas por precaução que eu sugiro que ele seja acompanhado por um fonoaudiólogo. E claro, a fisioterapia também vai ajudar com a questão da coordenação motora.

— Ele vai ficar com alguma sequela? — Anne pergunta e fico esperando a resposta do médico com meu coração em frangalhos. 

— É cedo para dizer se a dificuldade dele em realizar alguns movimentos básicos é irreversível, por isso é importante que ele comece a fisioterapia o quanto antes. — Ele aponta e Anne assente prestando atenção em cada palavra que o médico diz. 

— É primordial ter paciência e demonstrar apoio porque ele está acordando num mundo completamente diferente do que ele conhecia, em nove meses muita coisa muda e ele precisa se sentir acolhido e entender que agora ele precisa ultrapassar mais essa fase. — Tio John fala nos olhando fixamente e endireito minha postura me preparando para a guerra que estava prestes a começar. 

— Quando ele vai poder ir para casa? — Anne pergunta e me sinto uma criança esperando a aprovação para jantar sorvete.

— Ele acabou de acordar e ainda tem que ficar sob observação e realizar mais alguns exames até que ele esteja em condições de receber alta e continuar o tratamento em casa. Não podemos estipular datas ou fazer previsões porque assim como ele deu entrada aqui dependendo exclusivamente do seu corpo reagir aos tratamentos, a situação continua sendo a mesma, porém com ele acordado. Não posso liberá-lo sem que ele esteja bem para isso, todo tratamento deve progredir, regressão não é uma opção na mesa. — Dr. Cooper fala e me sinto murchar feito uma folha no sol. Anne assente e me olha com lágrimas pesadas descendo em suas bochechas. 

Dr. Cooper e Tio John saem de perto e fico sem saber o que falar, uma quietude perturbadora nos faz companhia no corredor. Vejo Anne limpar o rosto e assumir uma expressão tranquila quando põe a mão na maçaneta da porta antes de girá-la para entrar no quarto. Tento ficar com o rosto o mais neutro possível e espero Anne me olhar antes de entrar no quarto. Não quero invadir o espaço dela e mesmo que eu esteja me coçando para saber como a conversa com Lilly acabou, fico em silêncio esperando que ela se sinta a vontade para me contar. Harry está acordado e não consigo desviar meus olhos de seu rosto que agora parece estar tranquilo. Anne sorri e juro que se as cortinas do quarto não estivessem fechadas, seu sorriso seria capaz de afastar as nuvens pesadas de chuva que estão no céu.

— Você está bem? — Anne pergunta e sinto as alfinetadas da ansiedade em meus pés. Desde que ele acordou ainda não ouvi sua voz e vê-lo fazer isso é uma das coisas que eu mais quero agora.

— Sim. — A voz de Harry sai instável e absurdamente rouca, num piscar de olhos vejo o leve franzir de sobrancelhas de Anne e sei que isso não é nada bom.

— Precisa de alguma coisa? — Ela pergunta outra vez e ao invés de falar, ele põe a mão trêmula com um acesso de soro e medicamento sobre a pequena marca de onde foi feita sua traqueostomia e balança a cabeça negativamente. Fico em alerta lembrando das palavras de Dr. Cooper sobre o fonoaudiólogo e sei que Anne está pensando a mesma coisa quando me olha de soslaio.

— A garganta dele deve estar doendo, Anne. Ele ficou muito tempo sem falar nada e acordou gritando a alma pra fora do corpo. — Falo baixinho olhando para ela e recebo uma reação completamente diferente da que eu esperava; ouço um riso tossido e volto meus olhos imediatamente para Harry. Ele está pressionando os lábios segurando o riso que está tentando escapar e tenho um leve deslumbre de um par de covinhas idênticas que eu sei que herdou de Anne. Incapaz de ficar séria ao ver sua expressão quase travessa, deixo um sorriso escapar quando Anne põe a mão sobre a minha sorrindo também.

— Você está com dor de garganta? — Ela pergunta a Harry e ele assente. — Vou pedir a enfermeira algum medicamento para a sua dor. — Quando estou prestes a me oferecer para fazer isso em seu lugar para que ela fique mais tempo e possa ter privacidade com seu filho, Anne me surpreende falando algo que me deixa tão vermelha quanto um pimentão maduro. — Não vou pedir para você cuidar dele porque isso é tudo o que você tem feito desde que encontrou a minha menina chorando no banheiro desse hospital. 

E feito um sinal de fumaça, Anne some do quarto me deixando sozinha e terrivelmente envergonhada com Harry parecendo confuso. Sinto que essa situação é completamente errada já que ele tem namorada e ela estava aqui até cerca de uma hora atrás, não quero ser a Jessica no meio da relação de ninguém. Tenho um rápido flashback de tudo o que aconteceu até hoje e apesar de me sentir sobrando, decido que me afastar não é uma opção aqui. Meus sentimentos por Harry são confusos e platônicos e eu tenho a obrigação de lidar com eles sozinha, mas me apeguei à essa família como se fosse parte da minha própria e não vai ser uma garota egoísta que vai me tirar isso. Me aproximo de Harry tomando coragem para olhar em seus olhos mais uma vez e meu coração parece estar disputando uma corrida de Velozes & Furiosos quando vejo que ele está me olhando com a intensidade de uma onda num mar de ressaca. Forço um pigarro para tentar clarear minha voz antes de finalmente me apresentar para o cara que amo mas não faz a mínima ideia de quem eu seja.

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