Capítulo 1 - A colega de quarto

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Seus pés grudam naquele chão brilhante que reflete os cabelos negros abaixo dos ombros contrastando a pele clara, mas malcuidada, de seu rosto pontiagudo e vazio. Marcela aperta as mãos nas alças da mochila como se neste pequeno pedaço de casa estivesse um diamante valioso.

Roberto está à sua frente, puxando a mala de rodinhas enquanto a única coisa que se move no corpo de Marcela são alguns fios de cabelo grudando na testa graças ao vento desta manhã de domingo.

Esse ainda não é o dia D, Marcela poderá voltar para casa por duas semanas inteiras depois das aulas começarem, e depois destas será mantida aqui todos os dias úteis. A coordenação do colégio aconselhou que os pais não incentivassem seus filhos a irem todos os dias para casa, assim podem se adaptar melhor. Não houve discussão entre Roberto e Bianca nesse quesito, Marcela voltaria para casa quantos dias quisesse durante essas semanas.

— Não é muito grande? — pergunta Bianca, parando ao lado de Marcela enquanto encara a ala central da escola. Ela tem uma caixa cheia de coisas da filha nos braços, dentre essas estão alguns desenhos, livros e tudo que fizesse o novo quarto de Marcela o mais parecido com seu antigo.

O espaço está cheio de pais de filhos, mas deste ponto se observa a grande entrada do refeitório sem fim à direita, com paredes cobertas de azulejo branco na parte interna e tinta branca no retângulo excedente. Ao lado esquerdo deste há uma pequena entrada que dá origem a um corredor escuro e paralelo ao elevador que leva até os alojamentos. À esquerda, abre-se uma grande quadra descoberta e com esforço se nota uma quadra coberta depois dela. Bem à frente, para onde Bianca acha que Marcela está olhando, há um quadro enorme de Eugène Delacroix, de Romeu e Julieta, na parede vinho intensa que divide essa região do local onde estão as salas de aula e depois o imenso jardim.

Entretanto, o que Bianca não sabe, é que Marcela não está olhando para o quadro. Para espanto até mesmo de quem narra, Marcela não olha para nada. Não está pensando em nada também. É um eterno e melancólico breu desgostoso e enfurecido a ponto de não conseguir enfurecer-se de fato.

A palma da mão de Bianca passa pela mochila e empurra as costas de Marcela para frente, essa então se move e olha para a mãe. Bianca está sorrindo, mas qualquer um notaria a falsidade desse gesto. Marcela manteve-se séria.

— Bem-vindos — uma voz jovem e bonita fala.

É um rapaz de óculos e calça jeans com barba o suficiente para notem não ser um aluno. — Sou Juan — apresenta-se, estendendo a mão para Bianca e depois para Roberto, logo que as duas alcançam o pai perto da fila para o elevador. — Oi — diz olhando diretamente para Marcela, que só então nota a mão entendida em sua direção e a aperta rapidamente.

— Essa é a Marcela. — Bianca aproveita a mão nas costas da filha para empurrá-la um pouco mais para frente e essa, desengonçada, desfaz o movimento no segundo seguinte. — Você é o filho do prefeito, não é? Nos conhecemos quando você era mais novo. Íamos na mesma congregação antes, mas deixaram de ir.

Ir à congregação era o evento familiar que a mãe seguia à risca todos os domingos, o pai frequentava uma vez ao mês e os filhos, apesar de cristões, foram cada vez menos conforme cresciam. Bianca nunca deixou de insistir, já que sua família inteira leva a fé muito a sério, mas ela aceitou casar-se com Roberto, então não existia muto espaço para reclamações de algo que já não era compatível antes mesmo de terem filhos.

Agora Marcela ergue o olhar para Juan, já o viu em muitos lugares, mas a congregação não foi uma delas. Lucas é um fã incontestável dos filhos gêmeos do prefeito de São Paulo. O cabelo marrom de Juan brilha tanto quanto ela viu no Instagram e o sinal no final da boca é mais escuro. Ela franze o cenho, ele nota. Juan além de filho do prefeito é aquele que ganhou todas as olimpíadas de matemática até 2014.

⚢ Não Mate Borboletas Por Ela ⚢ [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora