Capítulo 15 - Quarto vazio

120 21 6
                                    


Na primeira semana de férias, foi difícil para Marcela se adaptar novamente ao seu quarto. Percebeu, depois de anos vivendo ali, que tem espaço demais e não sabe o que fazer com ele. Além disso, seu quarto é mais frio do que o da escola, porque o sol não fica muito tempo batendo lá ou talvez seja porque saiba que Lisbete não está ocupando uma cama ali.
Desde que Carlos e Thais reataram o namoro, ele dormiu alguns dias na casa dela e isso fez com que Marcela não tivesse ninguém com quem conversar pessoalmente bem tarde da noite, o que é algo fora do seu novo normal. Por isso, teve dificuldade para dormir bem.
Também porque com a rotina da escola, aprendeu a acordar muito cedo, e não há nada para se fazer às 7 da manhã. Está entediada e o espaço vago em sua cabeça é o local perfeito para pensamentos que gostaria de deixar de ter.
Marcela voltou a conversar com Giulia por mensagem, mas é estranho. Ela perdeu o costume de ficar com o celular o tempo todo, até esquece que ele existe na maior parte das horas, e acaba deixando todo mundo sem resposta mesmo que essa não seja sua intenção. Responder dois dias depois acaba fazendo com que as pessoas parem de te mandar mensagem. Giulia não parou, mas todas as mensagens são superficiais a ponto de irritar Marcela.
Agora são 9h20 do dia 10 de agosto de 2017. O pai já saiu para dar sua aula antes das 7h, a mãe tinha um paciente marcado às 8h30 e Carlos não dormiu em casa. Suas aulas já voltam semana que vem e parece que essas férias aconteceram em um estralar de dedos. Logo quando ela estava se acostumando, está na hora de se preparar para voltar a morar longe.
Marcela se pergunta como Carlos se sente quando vem nas férias da sua faculdade e como é para ele voltar, tem a impressão de que é mil vezes pior do que ela está sentindo agora.
Sentada na mesa com um copo de café pingado e duas fatias de pão caseiro, Marcela come feito passarinho beliscando o pão enquanto encara a porta de madeira escura que já nem sabe mais o que guarda.
Nessa mesma data, no ano passado, Marcela estava presa na cama após uma crise de anemia falciforme que a levou para o hospital. Foi bem quando recuperou a amizade de Lucas e quando Carlos havia acabado de terminar com Thais. Nessa mesma data, dois anos atrás, Marcela e Lucas estavam brigando porque ele estava feliz que Carlos finalmente se formaria e deixaria o império da escola para ele enquanto Marcela não para de pensar em como seria horrível perder esse irmão.
E, nesse mesmo dia, em 2013, sua mãe estava trancada no quarto, chorando, e seu pai tentava fingir que nada estava acontecendo enquanto o luto o devorava vivo. Tudo porque foi nesse dia que Eduarda nasce e desde 2013 esse dia deixou de ser um motivo para comemorações e passou a ser um dia de completo descolamento e tristeza.
Não para de encarar a porta porque é a porta do quarto de Eduarda. Marcela que ele estaria intacto, como esteve por de três anos, mas a surpreende quando, carregada de impulso e saudade, abre a porta.
Não existe quase nenhum móvel no cômodo. É um espaço cujo vazio mostrou no piso as marcas da cama e do armário que costumavam ficar lá. As paredes brancas pegaram mofo perto do teto por falta de manutenção. Marcela prende a respiração. O único objeto intacto é uma escrivaninha de ferro que nunca foi de Eduarda e que Marcela não consegue entender o motivo de estar lá.
Vendo desse ponto, parece que Eduarda nunca esteve aqui. Nenhuma dos seus quadros de arte moderna estão nas paredes e os livros grossos da faculdade não pesam na prateleira de vidro que ficava perto da janela. Nem cortina ou tapete. Seus pais apagaram Eduarda enquanto Marcela estava fora e ela nem teve tempo para de despedir, de novo.
O som na porta principal da casa de fechando faz Marcela pular em um susto. Ela não percebeu que estava chorando até que se virasse para ver quem era e Carlos parasse feito estátua a encarando.
- Você sabia? - Marcela pergunta. - Sabia que tinha limpado o quarto? - Carlos diz que sim. - Por quê? Pra quê?
- Tudo estava mofando e se estragando. Decidiram colocar em caixas e deixar em um lugar menos úmido.
Marcela balança a cabeça negativamente. Carlos chega mais perto, ficando ao lado dela na porta do quarto. Marcela sabe que esse já não era o quarto de Eduarda há muitos anos, que esse lugar era um túmulo, mas mesmo assim não estava preparada para vê-lo vazio.
- Por que a mesa? - pergunta para si mesma, andando até o objeto e passando a mão por ele até pousar os dedos na gaveta e tentar abrir. Trancada. Ela encara Carlos. - O que tem aqui?
- Documentos do processo. Papelada do enterro. Ainda é o lugar dela, no final. Você era bem nova, nem deve lembrar.
- Lembrar do quê?
- De tudo o que aconteceu. Do velório, do enterro, do antes e depois.
- Eu me lembro muito bem - Marcela argumenta. Carlos não discute, ele bate as unhas no batente da porta, fazendo um barulho irritante. - Queria abrir a gaveta para relembrar.
- Por que você quer relembrar isso? É horrível.
- Porque é o que sobrou. - Ela tenta forçar a gaveta, mas não consegue. - Por que trancaram?
- Porque ninguém quer lembrar disso, só guardamos caso eles queiram reabrir o caso. - Carlos começa a andar para longe da porta.
Caso? Que caso? Marcela sai do quarto, batendo a porta, e segue Carlos até a cozinha. Ele está entretido pegando café e Marcela cutuca seu ombro para que ele se vire.
- Eu sei que você não lembra da maior parte da história, Ma - diz antes que Marcela possa de expressar. - Não é culpa sua, é que ninguém te contou. Você era nova demais.
Marcela não poderia estar mais confusa.
- Nossos pais não querem que a gente fale disso, então, só confia em mim, é muito melhor não saber. Eu preferiria não saber.
- Do que você tá falando? Parece um doido.
- Não foi um acidente, Marcela. - Carlos pausa para deixar Marcela absorver o que acaba de dizer. - Nunca foi um acidente.

⚢ Não Mate Borboletas Por Ela ⚢ [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora