Epílogo

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3 anos depois - 2021

Há algo sobre o futuro que é muito difícil de entender, mas com o passar dos anos vai ficando mais claro.

Se o destino de fato existe ou não, de nada importa. O que se sabe ser a realidade de todos que já viveram muitos anos de história é que não importa o quanto você planeje, 90% disso nunca vai acontecer. A vida se ramifica, com planejamento ou sem ele. Os dias, meses e anos se tornam um amontonado de acontecimentos inesperado. Soluções para problemas antigos caem no seu colo enquanto novos problemas surgem sem que estejamos preparados.

Quando se olha para uma janela, o que se vê? Uma entrada de ar, um lugar para saltar, uma visão do que há fora ou uma lembrança de outra janela? Cada um responde de acordo com a bagagem de sua própria história e todas as respostas são válidas.

Essa história louca e individual que vivemos pode ser compartilhada com palavras, mas nunca completamente. Todos andam com suas próprias pernas, pisando em seu próprio chão e com suas únicas concepções do que significa caminhar. Por isso, planejar é tentar colocar chão onde nem se sabe ainda se era colocar os pés. Confortável, claro, mas inútil na maioria dos casos.

A janela pode se tornar a forma de ver um ninho de passarinho que foi feito na árvore bem na frente da sua casa, ou de acenar para a vizinha que nunca viu pessoalmente, mas parece simpática da janela dela. Cada olhar para a mesma janela é totalmente diferente do outro. Por esse motivo conselhos são bem-vindos e ainda assim podem não ser seguidos.

Viver é mudar de ideia. É andar de mãos dadas com as possibilidades.

A mão de Marcela estava encaixada no ombro da mulher de cabelos castanhos, manchados com luzes loiras, que estava deitada sobre seu braço esquerdo A respiração leve e acolhedora tocava suas bochechas enquanto a ponta dos dedos, macios, dela alisava a cintura descoberta de Marcela.

Ambas estavam onde queriam estar, no quarto escuro e frio de ar-condicionado, abaixo das cobertas pesadas mesmo que lá fora o sol já estivesse atropelando todos com sua luz incessante de verão.

- Bom dia - o sussurro de sua voz melódica acordou Marcela, que resmungou ao precisar abrir os olhos. - São dez pras oito, Flor.

Os olhos de Marcela abrem de uma vez. A outra já tinha aberto as janelas. A luz do sol foi invadindo sua retina à medida que o som alto dos carros passando na avenida foi irritando seus ouvidos e a mulher, de costelas bem marcadas abaixo do sutiã branco, pulando para enfiar suas pernas grandes na calça jeans escura.

- Dez pras oito, Flor. Levanta!

Marcela se levantou ainda confusa com o que era real ou um sonho. Uma mão protegendo os olhos, a outra empurrando a cama para ter impulso, e a aflição de colocar os pés quentes no piso gelado.

- Porra! Você viu minhas chaves? - Marcela nega, ainda muito lenta. - Eu tinha deixado aqui em cima. - Já com uma camiseta preta cobrindo suas costelas, a outra mulher no quarto colocou as mãos na cintura. - Ana! - gritou, abrindo a porta do quarto. - Você viu a chave do meu carro?

O cheiro de café foi invadindo o ambiente conforme a gritaria foi se perdendo entre os cômodos do apartamento enquanto Marcela já se sentia estressada pela agitação logo cedo.

- Precisa de carona? - Ela voltou no quarto só para perguntar, e balançando a chave do carro. Marcela negou enquanto a assistia caminhar até o banheiro, onde Marcela havia acabado de escovar os dentes. - Te vejo no almoço - e plantou um beijo rápido nos lábios ressecados porque a quantidade de água que Marcela bebe nunca éo suficiente. - Bom dia.

- Bom dia - a voz saiu rouca como a de uma velha fumante, mesmo que ela só tivesse 20 anos e nunca tivesse encostado um cigarro na boca.

Marcela olhou o hora em seu celular, bem acima da notificação de uma mensagem de Lucas no Instagram, as 30 conversas não lidas no Whatsapp que aumentavam mais a cada dia e um email de seu orientador confirmando a reunião 12h. Elas não poderiam almoçar juntas, isso iria irritar sua noiva.

- Caralho. - Marcela alisou os cabelos curtos com os dedos, fazendo-os de pente, e o delineador de gatinho só custou 5 minutos para ser feito.

Ela fechou a porta do quarto e caminhou pelo chão de piso marrom, tomando cuidado para não escorregar com suas meias cinzas, e pegou Penélope no colo assim que achou a gata branca e felpuda dando sopa ao lado dos quadros, em cima do móvel branco no corredor largo entre a sala e a cozinha do apartamento, bem entre a porta do quarto dela e a do quarto de Ana.

- Não pergunta. Sim, eu estou atrasada. Não, não vou correr - Marcela diz isso sem nem ao menos olhar em direção à mulher de pele negra retinta sentada na mesa de vidro redonda da cozinha. - Sou a monitora, eles que corram atrás de mim. Eu corria atrás dos meus monitores quando era caloura.

Ana estava com suas duas mãos paradas na xícara branca, como uma estátua, e considerando sua fama de tagarela linguaruda isso era muito estranho.

- O que foi? - Marcela parou na frente dela, do outro lado da mesa, ainda com o gato nos braços.

Os olhos redondos e escuros de Ana são cercados por uma quantidade grande de cílios e os cachos de seus cabelos longos e volumosos estão presos parcialmente para trás com uma presilha resistente.

- Não passei na residência na UNESP - sussurra Ana, Marcela prende a respiração. Ela coloca a gata no chão e logo ocupa o lugar do outro lado da mesa. - Vou precisar continuar aqui. Desculpa, Ma, eu sei que combinamos que vocês poderiam morar aqui depois do casamento, e que eu acharia outro lugar, mas não posso voltar pra minha cidade e aqui é minha casa também.

Marcela fecha os olhos. Ela está se concentrando para não surtar. Não quer surtar porque ao mesmo tempo que está triste por Ana, está brava porque tinham combinado tudo há meses. Não quer surtar porque, no fundo, essa notícia a alegrou e isso não parece certo.

Abre os olhos, encara a aliança de ouro que enfeita seu anelar direito há 1 mês. Um erro. Que sentimento estúpido. Antes de sair do quarto, Marcela abriu a mensagem de Lucas. Eles não se falavam desde o casamento de Sérgio e ela teve curiosidade do motivo do contato dele depois de quase 6 meses daquela briga catastrófica.

@Lucastvcastillo: e aí, Marcela? Tudo bem? Você viu que a Giulia tá no Brasil? Estamos planejando um reencontro. Você topa?

Tudo o que acontece não pode ser calculado. A vida não é mensurável. Viver é esperar pelo inexplicável. É andar em caminhos estreitos e aprender que não podemos planejar aquilo que não conhecemos ainda.

Promessas podem se tornar pontos estranhos no meio de um trajetória que já deu tantas voltas. O futuro será diferente e todas as experiências constroem soluções que nem ao menos foram pensadas antes de dormir aos 15 anos porque não havia história o suficiente para a enxergar as possibilidades.

Viver é admirar seu ponto de vista e torcer para que ele mude conforme você cresce. É colocar o pé onde não tem chão. É ir para frente e também voltar. Viver é um jogo de malabarismo.

⚢ Não Mate Borboletas Por Ela ⚢ [Completo]Où les histoires vivent. Découvrez maintenant