⚢ Não Mate Borboletas Por Ela ⚢ [Completo]

Capítulo 4 - Ansiedade

Para Giulia, a paixão não é uma "crisis discipline", onde se tem que agir muito rápido sem entender a situação completamente. Ela não é uma médica frente a um trauma com hemorragia e parada cardíaca e muito menos um jogador de futebol correndo para fazer o gol do campeonato aos 45 do segundo tempo. Isso não tem a ver com zona de conforto. A paixão não isso para Giulia, a paixão é calma. Os sentimentos são pacientes e os passos não são em uma placa de vidro que pode se partir. Por que, então, ela tem a impressão de que todos querem que ela comece correr para ultrapassar uma linha de chegada imaginária? Até porque Giulia sabe que a história não termina ao se cruza nenhuma das linhas de chegada inventadas.

Quase um ano atrás, Giulia estava chegando em um convento na cidade de Santo com uma pequena mala cheia de roupas que não poderia usar e um coração cheio de sentimentos guardados cuidadosamente para serem expostos no momento certo. Esse é, literalmente, o único âmbito onde Giulia não é impulsiva. Afinal, essa garota tem incontáveis defeitos que cabem em bem mais do que uma mão, mas falta de empatia está longe de ser um deles. Ela sabe se colocar no lugar dos outros, mesmo que à vezes se esforce muito para não fazer isso e acabar sendo lida como uma idiota, mas ela sabe. Sabe tanto que há tempos mandou uma mensagem no Instagram da Daiana pedindo desculpas. Daiana não respondeu e ninguém sabe disso (orgulho é um dos defeitos da Giulia), mas ela mandou. Só que ser empático dói. Dói tanto que é mais fácil fugir. Às vezes os problemas e dores dos outros consomem tanto um coração empático que trava a circulação e fecha a traqueia. Causa uma crise de ansiedade. E para sua primeira crise de ansiedade, e todas as outras, não existe local ou dia marcado. Pode ser dentro do banheiro de um convento em Santos e pode ser no pátio da escola depois de uma apresentação de teatro. Pode ser nos dois, como foi.

— Mandei a mensagem e ela respondeu normal. Tipo, nada diferente do que me respondia antes da minha viagem. — Giulia está com as pernas cruzadas em uma cadeira bege macia e suas mãos apertam as cochas cobertas por uma calça jeans escura e rasgada nos joelhos.

— Você gostou disso? — pergunta a mulher no outro lado da mesa, Giulia coloca seu par de olhos claros em cima de Fernanda.

Sua psicóloga é uma mulher na casa dos 30 anos, com um óculo quadrado e roupa em tons pastéis. Elas começaram a se ver desde a crise de choro que ela teve, ano passado, e que assustou os pais. Foi por causa de Fernanda, inclusive, que Giulia beijou Marcela dentro do closet (o que soa bastante irônico, porque aquele ocorrido nunca saiu de lá)

— Não! Eu não quero fingir que não sou apaixonada por ela.

— Por que não diz isso para ela?

— A Marcela não é apaixonada por mim! Ela estava triste por causa da Daiana, por isso me beijou, não é como se do nada ela descobrisse que gosto dela e conseguisse escolher gostar de mim de volta.

— Ela te disse isso?

Giulia bufa e cruza os braços. Ela está encarando o carpete preto de pelinhos, admirando-o, mas não há nada ali para ela. Por isso ela gosta dele. Nesse pedaço de pano não existem expectativas e nem corações partidos. Não existe absolutamente nada além de pano.

— Giulia? — Fernanda a convoca de volta para a sala no décimo andar de um prédio no centro de São Paulo.

Giulia lentamente descruza os braços. Esse é o único lugar onde ela tem autorização de falar sobre o que realmente está sentindo sem ninguém para julgar ou tornar um problema dela ser sobre eles.

— Se eu falasse pra ela agora, não ia ser só porque quero que a Marcela fique sabendo. Eu estou com ciúmes. Tipo, muito ciúmes e inveja da colega de quarto dela. Lisbete. Segui ela no insta, stalkeei e até descobri que ela e o irmão vieram pra São Paulo no ano passado. Ela é legal, legal do tipo que a Marcela gosta, igual a Daiana. — Recupera o fôlego. — A Ma já tá longe, em outra escola, e ela vai passar o maior tempo com um monte de gente legal igual a Lisbete. Dezenas de Daianas.