Capítulo 8 - A vida não é um livro

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Junho

Em algum momento, entre o começo e meio do ano, Giulia aprendeu que quando se tem um pai narcisista, não há nada que se possa fazer para mudar isso. Não há como melhorar a relação com ele, não há como fugir da enfermidade dele e não há nada, de fato nada, além de aprender a sobreviver.

Desde que ela descobriu isso, ficou mais fácil deixar de culpar a mãe por reatar o casamento. Ela era uma vítima dele, como Giulia, e por muitos mais anos do que ela. Para um narcisista, nada e ninguém é mais importante que sua opinião. As pessoas ao seu redor, por mais incríveis que sejam, não chegam aos seus pés. Hélio tem a mesma capacidade de ouvir que um pedaço de concreto, a mesma capacidade de amar o próximo que um assoalho de madeira.

Durante muitos anos de sua vida, Giulia se perguntou se algum dia seria suficiente para ele. Até seus 8 anos, ela tinha uma necessidade angustiante de agradar a todos ao seu redor. Era a criança que todos amavam, aquela com um medo enorme de ser rejeitada. Então, mais crescida, se deu conta de que nunca seria o que seu pai esperava dela, porque ninguém era, e passou a ser o completo oposto.

A rebelde, que enfrenta tudo e todos mesmo que às vezes não fosse necessário. Implora, de forma silenciosa, para que vejam quem ela mostra ser. Ainda é, no fim, uma necessidade de aprovação. Aquela voz, inaudível por tanto tempo, que se torna alta demais quando finalmente sai.

- Xeque - diz Giulia, colocando seu bispo branco contra o rei preto no tabuleiro de vidro. O sentimento de trinfo já começa a crescer na boca do seu estômago.

Cecília tira seu rei da mira do bispo, mas não me mostra nem um pouco preocupada. A tia de Giulia tem um espírito tão calmo que às vezes seja a ser opaco. Elas não se vêem muito, infelizmente, Giulia gostaria de passar mais tempo com ela. Seus olhos claros passam uma leveza que Giulia não tem em casa, ou com nenhum outro membro da família do seu pai, e ela sabe que é porque Cecília não tem a genética ruim da sua família. Na maior parte do tempo, quando reúnem toda a família, Giulia se sente no covil do Conde Drácula. E ela sabe, sem que Cecília nunca tenha dito isso, que sua tia se sente exatamente igual.

- Xeque mate - Cecília é que diz isso, colocando sua rainha na posição perfeita, prendendo o rei de Giulia na morte inerente.

- Droga! - Giulia pressiona os lábios e cruza os braços. - Você disse que ia me ensinar, mas fica só ganhando!

- Você precisa prestar mais atenção no meu jogo - Cecília argumenta, se levantando.

O vestido florido de Cecília para em seus joelhos e está desgastado pelo uso. Ela coloca as mexas do cabelo loiro para trás e deixa exposta as grandes orelhas.

- Acho que seu pai chegou - sussurra, com o mesmo tom desconfortável que Giulia tem quando fala dele.

Giulia continua sentada no chão de porcelanato branco do quarto de Cecília, onde além da cama de casal há um estante de livros que vai de uma parede a outra, com uma coleção de obras invejável.

- Você já leu todos eles? - Giulia aponta para a estante de madeira branca. Foge, sem ao menos tentar esconder, da informação que Cecília lhe deu.

- Claro que não. Vou precisar de mais dez anos pra conseguir ler todos, ainda mais tendo que ler os livros pra faculdade. - Ela se inclina e começa a recolher as peças do xadrez com cuidado, colocando tudo na caixa marrom de poucos centímetros.

Giulia começa a se levantar e caminha até os livros, passando suas unhas roídas e cor-de-rosa pelas lombadas multicor.

- Eu queria conseguir ler todos os livros do mundo - sussurra, pensativa.

⚢ Não Mate Borboletas Por Ela ⚢ [Completo]Where stories live. Discover now