Capítulo 12 - Passarinho

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O que há de comum entre um beija-flor e uma abelha voando, além da resistência do ar que tenta de todo modo derrubá-los?

As asas de mesma função vieram de ancestrais totalmente diferentes e o amor por flores nasceu por motivos por vezes tão contrastantes. O que há, então, de comum entre um pássaro e um inseto além do planeta e flores que compartilham?

Quando um beija-flor e uma abelha cruzam o mesmo caminho para uma flor bem cuidada, vieram de inquestionáveis caminhos distintos. Desde antes de nascerem, desde antes de voarem.

Como pode, então, uma abelha operária explicar a um beija-flor o que é uma abelha rainha?

Como pode, então, um beija-flor explicar a uma abelha que não faz mel com o néctar do flor?

Algumas conversas são impossíveis. Você pode repetir de novo e de novo, mas nunca vão entender. Nunca vão entender porque não são beija-flor. Não são abelha. Mesmo que voem na mesma altura, que degustem da mesma flor, não são iguais. Nunca vão ser.

Giulia se cansa de tentar. Ela tenta por anos e nunca tem fim. A cada briga, humilhação e descaso sofrido dentro de sua casa, ela se viu menos entendida pelos de fora. Não é culpa deles, Giulia sabe, mas é frustrante que seu pedido de socorro nunca pareça urgente. Que ela sempre seja a adolescente rebelde, que está vivendo uma fase, e os adultos nunca são o problema.

- Quando você para de procurar, as coisas simplesmente te encontram.  - Vovó Sónia está sentada no sofá de dois lugares coberto com uma manda marrom. - Infelizmente não escolhemos nossos pais, querida, mas quando se vira um, nós entendemos que não adianta procurar a perfeição neles, somos apenas pessoas criando outras pessoas.

- Bonito, vovó, mas na prática isso não funciona. - Giulia está estirada no chão da sala da avó, acima de um tapete azul-marinho que faz seus braços descobertos coçarem. Ela está olhando mesmo teto branco de quanto tinha 8 anos. - Eu tinha que sair de lá, não dava mais.

- Seu pai sempre foi muito intenso.

- Intenso? - Giulia se senta e encara a avó.

As intensas rugas estão aglomeradas ao redor de seus olhos e boca, como pregas em roupas. Os cabelos brancos e cinzas estão sempre presos para trás e a pele branca parece extremamente macia.

- A senhora sabe muito bem que ele é uma fruta podre que apodrece tudo que tá perto.

A avó mantém o silêncio. Giulia está certo, ela sabe.

Depois de dois dias na casa de Camila, Giulia ligou para a mãe para contar onde estava e, ao contrário do esperado, Márcia não estava louca atrás de Giulia. Ela soube, então, que Marcela falou com sua mãe antes dela. Giulia contou que não voltaria para casa e se voltasse, arrumaria um jeito de fugir de novo e nunca mais ser encontrada. O tom de sua voz era sério, ela não estava blefando, e seu pai não teve escolha senão deixar Giulia ir para a casa de sua avó materna.

- Você resolveu as coisas com seu namorado?

Giulia nunca disse que Marcela era um garoto, casa se pergunte isso, mas mesmo sendo uma alma minimamente sensata em meio ao caos, ainda era religiosa e conservadora. Giulia pode repetir mais trinta vezes o nome de Marcela e Sônia irá continuar fingindo que não entendeu.

- Ela não me responde. - Ela de deitou no tapete mais uma vez. - Ficou muito brava porque fui pra casa da Camila.

- Menina boa, essa Camila, gostei muito da mãe dela.

A mãe de Camila é uma médica veterinaria que não acredita em evolução e acha que os políticos do PT vão destruir o Brasil.

- Eu não tinha outra opção - Giulia segue falando. - Meus pais conhecem todos os meus amigos e eu não estava planejando voltar.

- Quase matou sua mãe do coração.

- Ela deveria era ter fugido comigo.

As duas mantém o silêncio por alguns minutos. É sempre assim quando concordam com uma coisa muito importante e, ao mesmo tempo, complicada.

- Não vou voltar pra lá - Giulia sussurra. - Nunca mais vou voltar pra aquela casa.

- E a escola?

- Posso mudar.

- E seus amigos?

- Podem me visitar.

- E o namorado?

- Ela não consegue me entender. Estou cansada de tentar explicar.

- Você vai precisar voltar, aqui não tem oportunidade pra gente inteligente como você, querida. As escolas não são muito boas e nem tem faculdade nessa cidade.

- A senhora acha mesmo que eu prefiro morar no inferno pra ter a chance de um futuro bom? Prefiro ser feliz agorinha. Aqui. Tomando café e comendo bolo de milho.

As duas riem.

- Pode voltar pro convento.

- VOVÓ!

- Servir a Deus é sempre um prazer, minha filha.

- Não foi isso que minha mãe fez. Que prazer todo é esse que ela sente e eu não vejo?

- São provações, para ter mais fé. O Senhor vai livrar ela do seu pai.

- Nada de convento. - Giulia coça s garganta. - Mas sobre a faculdade... A senhora sabe que meu pai ajudou o irmão da Marcela a ir pra Inglaterra, não é?

- Vai pedir ajuda pro seu pai para fugir dele?

- Se ele pensar que é uma coisa boa pra ele mesmo, talvez faça isso muitíssimo feliz. Foi ideia da minha mãe, na verdade, quando ela estava me trazendo pra cá.

- Sua mãe nunca ia ficar tantos anos longe de você.

- Vovó, eu não disse que ela vai ficar. Ela pode vir comigo. A gente pode fugir dele.

Sônia e Giulia se encaram em um silêncio mais longo que o comum.

Giulia pensou bastante sobre isso ao longo dessa primeira semana na casa de sua avó. Sua liberdade para voar, finalmente, e para parar de precisar explicar tudo. Está cansada de não sair do lugar.

Essa não é uma decisão fácil ou difícil, é apenas extremamente necessária pelo que resta de sua saúde mental.

⚢ Não Mate Borboletas Por Ela ⚢ [Completo]Where stories live. Discover now