Capítulo 2

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Magnus Bane estava estarrecido. Essa era a grande verdade. Era inacreditável que tivesse sido apanhado em uma armadilha tão simples. Esse era o pecado maior de todos os seres: confiar cegamente em alguém. Ele sentiu algo diferente quando Catarina o chamou, mas não se deu ao trabalho de verificar o que era. Apenas presumiu que a "amiga" estivesse passando por algum problema e se apressou a responder o chamado. Quando percebeu estar amarrado dentro de um pentagrama, já era tarde demais. Fez uma nota mental de não salvar mais pessoas da fogueira. Elas nem sempre serão tão gratas a ponto de retribuírem a gentileza.

Ele já conhecia a Casa Lightwood, portanto não se interessou pelo grande Salão, onde mesas compridas estavam postas nas laterais, com comida e bebida. Ansiava por saber o que fariam com ele a seguir. Já sabia que fora capturado para ser servo de Alexander Gideon Lightwood, mas a situação toda parecia tanto uma piada que ele se recusava a pensar muito nisso. Pelos relatos de Catarina (não pôde evitar enrijecer o maxilar ao pensar na feiticeira) passaria pela Cerimônia de Ligação, que era praticamente uma tortura, e receberia um Anel de Chamado. Após isso, estaria ligado ao Lightwood enquanto ele vivesse.

Olhou ao redor enquanto era conduzido por um corredor para o interior da Casa. O teto alto e as pedras frias das paredes davam a sensação de estar em uma prisão impossível de sair. Estava frio lá fora, mas aqui dentro estava pior, mesmo com as tochas colocadas alternada-mente nas paredes do corredor. Não pôde evitar o comentário irônico.

- Vocês abominam nosso sangue demoníaco, mas no inferno nós não estaríamos passando este frio, meus caros.

Sentiu prazer ao ver Gideon trancar o maxilar. Obviamente ele era muito inexperiente nisso, embora houvesse boatos de que ele era um dos maiores Caçadores de Sombras vivo. Decidiu que conversar era a melhor tática para que os outros não percebessem sua busca desesperada por qualquer sinal de que era possível sair dali.

- Os senhores pretendem em algum momento me dizer para onde estamos indo? Por que, sinceramente, sei que sou um mero escravo de sua senhoria, mas é preocupante como ninguém gosta de conversar muito aqui. Eu nem fui devidamente apresentado à essa adorável senhorita e à este garboso senhor...
-Ora, cale a boca - Gideon grunhiu e Bane sorriu inocentemente para ele.
-Como queira, senhor. - estava se certificando de colocar toda a ironia possível na palavra senhor. Tinha certeza de que havia um leve ar de dúvida e riso na forma como dizia isto, como se ele duvidasse que Gideon fosse capaz de exercer domínio sobre alguém, e tinha mais certeza ainda de que isto irritava ao Caçador de Sombras.
-Você já sabe quem somos - a moça morena e com penetrantes olhos azuis o encarou - E já sabe o que está fazendo aqui. O resto, sinceramente, não é da sua conta.
-Que língua feroz... - Magnus não podia deixar de rir com sua própria desgraça. Não podia acreditar que estava sendo obrigado a aguentar três crianças e uma feiticeira traidora, sem poder fazer nada.
-Tanto quanto a sua - Jace Wayland falou pela primeira vez - A diferença é que aqui, Izzy é livre e você nem deveria estar falando, escravo.
-Mesmo estando preso neste momento, não sou escravo de ninguém Wayland - sua voz soou fria. Ninguém ia impedi-lo de falar o que quisesse. Não essas crianças mimadas - Sugiro que meça suas palavras antes de se dirigir a mim.

Sua fúria gelada ressoou nas paredes de pedra, e o grupo permaneceu calado. Magnus Bane se permitiu olhar novamente para Gideon. Ele era alto e forte. Cabelos negros luzidios escorriam pela sua testa. Os olhos azuis eram penetrantes, mesmo na semi escuridão. Ele era tão bonito quanto idiota. Parecia inteiramente indiferente à pequena discussão ao seu redor e agia como se soubesse o que estava fazendo.

Ele era um líder, isto podia ser visto na forma como Izabelle e Jace sempre olhavam para ele antes de fazer qualquer movimento. Mas, ainda assim, era uma criança. Se realmente soubesse o que estava fazendo, não teria se atrevido a capturar um feiticeiro e subjugá-lo tendo apenas 18 anos de idade. Magnus se perguntava por que ninguém parecia ter se dado o trabalho de alertar Gideon sobre os perigos de mexer com magia...

Passarem por várias portas pesadas de madeira e chegaram a uma escada que descia para a escuridão. Iam levá-lo a um porão. Magnus Bane detestava porões. Detestava lugares escuros e frios.

- Pegue esta tocha - Lightwood o ordenou, e ele pegou a tocha no gancho da parede por que parecia a coisa mais sensata a fazer.

Se desobedecesse alguma ordem e alguém rompesse o círculo antes que estivessem em solo apropriado, era bem provável que todos morressem. Ele não se importava que os frios e arrogantes Caçadores de Sombras morressem, mas não queria apostar sua vida. Tinha a eternidade, e arriscá-la agora parecia uma besteira.

Desceram a escada estreita vagarosamente, cuidando para que o círculo não fosse rompido. Finalmente, ao chegarem ao subsolo, uma porta pesada de madeira, com uma portinhola de ferro, estava entreaberta.

- Bem vindo ao novo lar - Jace disse ironicamente, quando todos entraram.
- Obrigado, Wayland - Magnus arqueou as sobrancelhas. Alguém (provavelmente mais um criado, eram tantos...) fechou a porta pelo lado de fora, trancando-a.

Catarina ergueu o rosto e recitou o encanto de soltura, que - Magnus lembrou com tristeza- tinha sido ensinado por ele. O feiticeiro percebeu que eles tinham estudado sobre o ritual quando soltaram as mãos na mesma ordem que em que tinham unido. Izabelle soltou a mão esquerda que Jace segurava, e este soltou a mão esquerda que Alexander segurava, que soltou a mão esquerda que Catarina segurava, que por fim, soltou a mão esquerda que Izabelle segurava, rompendo a ligação.

Ele deveria se sentir livre quando a sensação dos grilhões desapareceu de seus braços, mas foi tomado por uma intensa melancolia. Não poderia sair do aposento nem que quisesse. Havia muita magia o prendendo naquele lugar.

- Ordenei que trouxessem comida para você - Gideon apontou para uma mesinha onde havia um prato com uma substância que um dia fora uma sopa.

Um catre estava encostado à parede, com alguns trapos que -Magnus supôs - deveriam lhe servir de agasalho na noite fria. E isso era tudo que havia no porão. Nenhuma minúscula janela pela qual pudesse entrar a luz do sol, ou o brilho da lua. Só o catre e a mesinha.

- Ah, isto aqui é maravilhoso - Bane colocou a tocha em um gancho na parede, e andou pelo porão, sentando-se no catre imundo como se fosse uma cama de rei - É notável como apreciam tratar bem seus hóspedes.
- Izzy e Jace, vocês estão dispensados - Gideon ordenou, seus olhos azuis e frios encarando o feiticeiro - Catarina, você fica.

Os dois adolescentes saíram sem reclamar. Era visível seu desconforto. Magnus observou interessado quando Alexander Gideon se aproximou dele. Sentado no catre, com Gideon tão próximo e em pé, por um segundo o feiticeiro se sentiu pequeno. Ignorou a sensação e não desviou o olhar.

-A Cerimônia de Ligação será daqui a dois dias. Submundanos são sensíveis às Marcas, mas você vai sobreviver se alimentar-se bem. Como é uma Marca compartilhada, minha energia vai absorver o maior impacto da magia. Regularmente alguém trará sua comida.

- O que faz o senhor pensar que eu gostaria de sobreviver a um ritual que me fará escravo?

Gideon se curvou um pouco, encarando Bane ferozmente, com uma certeza surda.

-Você tem a eternidade. Quando eu morrer, poderá viver livremente - falou - Nós dois sabemos que você não vai arriscar a imortalidade por causa de no máximo sessenta anos de servidão. Você é petulante e arrogante Magnus Bane, mas não é idiota.
- O senhor está certo - Bane sussurrou, se recusando a se curvar perante o olhar feroz do outro - Não vou arriscar minha imortalidade por sua causa. Mas você é uma criança e não tem ideia do que está fazendo.

Ele se levantou do catre e agora seus rostos estavam tão próximos que os narizes quase se tocavam. Fúria gelada e quente se confrontavam. Era confortante saber que Gideon precisava levantar os olhos para encará-lo.

-Não se rouba a liberdade de ninguém, nenhum ser vivo, nenhum homem ou animal, sem precisar pagar um alto preço por isso.


-Eu já paguei - Gideon parecia ligeiramente abalado, mas não desviou o olhar por nenhum segundo - Catarina já recebeu muito mais dinheiro do que poderá usar em toda sua vida.
- Não estou falando de dinheiro Lightwood, e você sabe disso.

Gideon deu de ombros e se afastou. Catarina, que se mantivera em silêncio e estranhamente quieta durante a conversa dos dois, saiu atrás do Caçador de Sombras quando ele passou pela porta. Magnus se deixou cair sentado no catre, em uma confusão de fúria e temor, quando eles sumiram e Catarina trancou a porta com um feitiço bloqueador.

Servidão e Liberdade || Malec Where stories live. Discover now