Capítulo 7

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Muito antes do céu clarear Gideon estava em pé. Fazia frio, mas anos de treinamento o permitiram andar descalço pelo chão de pedras frias sem se incomodar e encontrar seu cabideiro sem precisar tatear no escuro. Pegou o roupão felpudo e se dirigiu à saída. Onde estava Hodge? Como se respondesse à sua pergunta mental, o criado abriu a porta do quarto, com uma tocha acesa nas mãos.

- Bom dia senhor - saudou - Seu banho quente já está pronto e suas roupas também.

Gideon apenas acenou com a cabeça. Não era muito dado a conversas. Enquanto o criado acendia os candeeiros que tinham se apagado durante a noite, Gideon se dirigiu ao quarto de banho. O cheiro de lavanda que rescendia da água morna na tina era muito agradável e ele afundou na água. Estava ansioso. Os pais chegariam de Idris e avaliariam seu desempenho e o progresso de Magnus Bane no treinamento. Caso seu resultado fosse favorável, passaria a ser oficialmente o Curador do Instituto Lightwood, Condado de Somerset.

Lembrou-se da última vez que vira os pais. Eles tinham vindo para a Cerimônia de Ligação e logo após as comemorações, retornaram à Idris. Supostamente Robert Lightwood era o Curador da região, mas desde os seus quinze anos, Gideon desempenhava essa função. Com o advento da maioridade, passaria a assumir esse cargo integralmente. Isso se tudo desse certo.

Quando terminou de se arrumar, desceu as escadas. Magnus Bane o esperava no térreo, adequadamente vestido para receber os senhores da Casa. A princípio a adaptação entre eles fora difícil. Acordar e ver Bane o encarando tinha sido assustador. Sempre fora sozinho e solitário. Se irritava com a presença constante do feiticeiro e precisava se lembrar de que isto era pra vida toda e devia se acostumar.

Diferentemente de Catarina que até agora, quase um ano após a Ligação, ainda era extremamente apegada à seu senhorio, Bane se esforçava para ser o mais independente possível. Isso fez com que em dois meses ele já pudesse dormir no porão, e Gideon não sabia por que se sentia ao mesmo tempo tão aliviado e tão angustiado com essa mudança.

Vinha observando que Bane evitava conversar com ele, mas em compensação conversava absurdamente com os outros habitantes da casa. Todos os criados o cumprimentavam e já não faziam o sinal da cruz quando o viam (e nem pelas costas). Até com Max ele já tentara engatar uma conversa, mas Gideon não permitiu. Seu irmão era muito novo e ingênuo. Não era de bom tom fazer amizade com submundanos.

- Está pronto? - perguntou, quando estavam frente a frente.

- Sim, senhor - de algum tempo para cá, Gideon reparou que Bane tinha a voz ligeiramente mais rouca pela manhã. Era algo engraçado. Como se ele fosse um filhotinho manhoso.

-Não ouse errar nenhum movimento - ordenou, enquanto começavam a caminhar para a cozinha - Ou teremos árduas consequências.

Não era uma ameaça à Bane. Era apenas uma constatação. Se os pais não se sentissem satisfeitos com o que vissem, Gideon seria punido e eles provavelmente diminuiriam a renda que enviavam mensalmente. Gideon já tinha muitos problemas com falta de verba para se dar ao luxo de perder ainda mais.

A cozinha estava em polvorosa. Criados trabalhavam apressadamente para que o almoço estivesse perfeito e fosse servido sem nem um segundo de atraso. Um cheiro delicioso subiu dos grandes tachos com molhos fervendo. Quando atravessaram o umbral, uma mulher pequena e nervosa os alcançou.

- Meu senhor - ela fez uma reverência a Gideon - Bane! - ela sorriu para o feiticeiro e o Lightwood ficou surpreso. - O café da manhã de vocês já está servido. Sigam-me.

Gideon não sabia o exato momento em que começara a dividir as suas refeições com Bane. O fato é que lidava melhor com o silêncio solícito do outro que com o silêncio hostil de sua própria mente. As pessoas sempre comentavam o fato de ele ser calado como se fosse uma qualidade. Ninguém sabia que Gideon falava pouco simplesmente por não encontrar palavras que descrevessem o caos mental em que vivia.

Servidão e Liberdade || Malec Onde histórias criam vida. Descubra agora