Capítulo 17

551 52 51
                                    

A única maneira de nos livrarmos da tentação é ceder-lhe.

(Oscar Wilde)

Gideon estava montando Tempestade, como sempre. Levava seu arco e flechas na aljava, a estela, assim como uma adaga e estacas de madeira e água bene num cantil. A sua lâmina Serafim também o acompanhava, escondida em um bolso interno da calça. Por cima da roupa preta, usava um longo casaco de couro, e por cima desses, um manto negro, com o capuz jogado às costas. Faria frio na estrada. Como provimento, levava pão e vinho.

Magnus montava Duque, sendo conduzido por este, que acompanhava Tempestade de perto. Suas roupas eram menos preparadas que as de Gideon, mas ele também recebera do senhor um manto longo e negro, com o brasão dos Lightwood desenhado atras. Era irônico que Bane tivesse que usar algo que remetia à Casa Lightwood, enquanto o próprio Alexander Gideon, vestia apenas negro, quase se fundindo à escuridão da noite. Levava pão e água, porque como criado, não lhe era permitido transportar o vinho de seus senhores. E Magnus não se importava. No final, o mais importante era água, mesmo.

Com a runa da visão noturna de Alexander e a habilidade natural de Magnus para enxergar no escuro, eles dispensaram o uso de algum candeeiro, e trotaram para longe da Casa Lightwood. A noite estava fria e embora fosse cedo, já muito escura. Bane queria poder respirar aliviado, por estar novamente sob o manto do céu estrelado, mas Gideon estava muito perto para que ele pudesse ficar em paz. As palavras que ele dissera pesavam cada vez mais em sua cabeça. Em apenas dois dias vivera muito mais do que em décadas. Não no sentido físico, mas mental e espiritual.

Na conversa com Ragnor, compreendera muitas coisas. Entre elas, o fato de que o toque físico alimentava a ligação mágica, e que deveria evitar esse contato, para que o processo de desligamento fosse mais tranquilo. O problema era: como resistir o desejo que corria em suas veias? Se Gideon parasse o cavalo agora e lhe pedisse qualquer coisa, ele faria sem pensar duas vezes. Como resistir a isso? Como ir contra algo que parecia maior do que ele? Como se controlar e demonstrar ser um velho senhor de noventa e três anos de idade, quando todo seu corpo apenas gritava como se ele tivesse dezesseis?

Como se ouvisse seus pensamentos, Gideon olhou para ele, e levantou o canto da boca. Não era um sorriso, mas era um gesto de acolhida, um reconhecimento de sua existência ali, e isso corroía Bane. Lightwood te machucou, te espancou, te humilhou de várias formas, a frase de Ragnor ecoava em seus ouvidos, e isso doía, porque era verdade. Era muito verdade. Como se relacionar, como se deitar com alguém que o aprisionava? Não importa quão grande fosse seu desejo, isso parecia muito errado, até para ele que já tinha vivenciado muitos tipos de relações.

O caminho largo se estreitou e eles agora estavam trotando mais pertos. Bane estava grato por Gideon fazer a gentileza de lhe deixar sozinho com seus pensamentos. Era outra coisa que o confundia em Gideon. Como lidar com a dubiedade dele? Em um momento era tão fechado, reservado, quieto. Em outro, parecia expansivo, comunicativo, gentil. Em um momento queria tudo que Bane tinha a oferecer, depois não queria mais nada e depois, queria tudo de novo.

Ele se lembrava de como era ser um jovem de dezoito anos, constantemente mudando de ideia sobre tudo, e sentindo intensamente cada sensação que o mundo tinha a oferecer. Podia imaginar as pressões e pensamentos que Gideon tinha, sendo responsável por tanta coisa e ainda tão jovem. Desejar algo diferente do que a maioria desejava, era arriscado nestes dias. Se fosse outra pessoa, em outro contexto, Magnus já teria se entregado. Mas era seu senhor, seu algoz, o que segurava as correntes invisíveis que o prendiam. Não tinha uma forma certa de lidar com isso. Gideon lhe dera uma escolha. E Magnus sabia que o melhor a fazer era dizer não.

Se dissesse o não, estaria fazendo um favor a si mesmo, acelerando seu processo de desligamento, se recusando a se entregar a alguém que até o momento, exceto pelos poucos minutos de prazer, durante meses, só tinha lhe trazido sofrimento e angústia. Mas seu corpo o queria. Queria tanto que chegava a doer. Tanto que ele queria apenas se atirar sobre o outro e saciar seu desejo. Se dissesse o sim, poderia finalmente fazer isso.

Servidão e Liberdade || Malec Donde viven las historias. Descúbrelo ahora