Capítulo 11

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Ainda era muito cedo, mas Bane já estava acordado. Quando seu senhor despertava, três pisos acima, ele imediatamente despertava também. Ainda sentia o olho levemente inchado, mas não se importava. Poderia ter se curado com magia, mas preferia que o processo acontecesse naturalmente por uma única razão: o olho machucado o lembrava constantemente do nariz quebrado que proporcionou a Gideon.

Ainda não sabia como tinha feito isso, porque agora, depois de tudo, só de pensar em machucar seu senhor de alguma forma, sentia arrepios. Mas tinha feito. Uma parte de si resistia à servidão, ao cativeiro. E ele queria lembrar a si mesmo todos os dias, que sua vida não dependia exclusivamente de Alexander Gideon Lightwood.

Preguiçosamente esticou os dedos em direção ao archote, e um fogo se acendeu lá, iluminando o pequeno espaço do porão. Nesses meses, Bane tinha feito muitos progressos ali. Limpou o ambiente, para impedir a proliferação de ratos e baratas. Conseguiu que a cozinheira lhe arranjasse um grande pedaço de tecido velho, quase puído, o qual ele costurou à sua cama improvisada, após lavar nas áreas de serviço da Casa.

Sua mesinha agora contava com as quatro pernas, e não balançava precariamente mais. Além disso, tinha, por meio de magia, pregado alguns tocos de madeira pela parede, alternadamente, nos quais pendurava suas roupas. Quando, um mês atrás, Maxwell decidiu que queria de presente uma nova tina para tomar banho, Bane tinha furtado (e não se envergonhava disto) a que ele dispensou, e agora tinha em seu quarto um lugar para se lavar.

Apesar de saber que nunca se sentiria bem nesta Casa, esse porão era o lugar onde mais se sentia confortável. A madrugada estava fria e ele se concentrou na água gelada dentro da tina, murmurando um encantamento (Calidae aqua). Enfiou uma mão dentro do líquido e ficou satisfeito. Estava ficando bom nisso de esquentar água para tomar banho. Na primeira vez que tentou, tinha ficado escaldante.

Passou a camiseta puída pelos ombros e braços, estremecendo com o contato do ar frio em sua pele.. Rapidamente se despiu dos calções e pulou dentro da tina, espalhando água pelo chão. O tamanho dela era adequado para Maxwell, mas ficava um pouco apertado para ele. Mas não podia reclamar. Não se pode ter tudo nesta vida.

Quase tudo que tinha ali fora roubado e ele não sentia nenhum remorso. Pegou a barra de sabão de lavanda, que ele deixava sobre um tronco de árvore relativamente plano que encontrara. Ele ardia na pele, mas deixava um cheiro bom depois. Esfregou o corpo com a bucha vegetal (roubada, sim senhor) e quando se sentiu limpo, deixou o sabão de lado e tentou afundar na água, para se enxaguar. O tamanho da tina não permitia, mas bom, era o melhor que tinha. Ainda dentro da água, esticou a mão para a cabaça de casca de abóbora seca, onde guardava alecrim queimado e folhas de hortelã. Mascou-as e gargarejou com um pouco de água. Depois passou um palito afiado entre os dentes.

Era assim que cuidava da higiene bucal. Já tinha visto pessoas sofrendo com dores de dente. Podia se livrar disso com magia, mas preferia não chegar a esse ponto. Gideon, por outro lado, tinha uma escova para os dentes, feita com pelos de porco, trazida da China, e usava uma pasta à base de ervas aromáticas, encomendada em Londres. Quem tem dinheiro tem tudo, Bane pensou.

Saiu relutante da água morna e se enxugou com as roupas que tinha tirado. Vestiu uma calça de algodão grosseiro, amarrando-a com uma embira de tecido, calçou o único par de sapatos que tinha (alpercatas de couro já batido, que tinham pertencido a Gideon na adolescência), e pôs a túnica, também de algodão. Passou os dedos pelo cabelo rebelde (estava muito grande agora, tocando os ombros) e saiu pela pesada porta de ferro. Precisava estar a postos quando Gideon descesse as escadas.

Quando chegou ao pé da escada, contou até cinco e seu senhor apareceu no alto, elegantemente vestido, como sempre. Tinha descoberto esse jogo algumas semanas atrás. Gideon sempre chegava cinco segundo após ele. Ele vestia uma túnica de linho, preta e sapatos de couro. A calça de algodão, ao contrário da folgada que Bane usava, estava perfeitamente assentada, mostrando um pouco das coxas bem torneadas. Bane levantou os olhos das curvas de seu senhor e o encarou, sustentando o olhar o máximo que pôde. Notou, com certa surpresa, o choque de Gideon ao ver seu olho ainda inchado e depois, ele desviou o olhar, constrangido.

Servidão e Liberdade || Malec Where stories live. Discover now