Capítulo 5

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Enfim o dia da Cerimônia de Ligação chegara. Alexander estava nervoso. Não podia evitar, era a primeira vez que faria um símbolo tão poderoso, forte e potencialmente destrutivo em sua pele. Se algo desse errado... Mas não iria. Obrigou-se a pensar positivo. Desde o episódio da comida, tinha se encarregado pessoalmente de obrigar o feiticeiro a comer e dormir bem, para que ambos pudessem suportar a Marca.

Não pôde evitar um leve desconforto que sentiu ao se lembrar do ódio intenso no olhar de Bane. Ele tinha comido lentamente, transbordando ira, ódio e rancor a cada movimento. Gideon ficara mais e mais nervoso à medida em que ele obedecia as ordens sem dizer uma só palavra. E foi assim nos dois dias seguintes.

Ele comia o que lhe era dado, bebia Dormentia sem reclamar e não disse uma só palavra quando Gideon mandou lhe trazerem roupas adequadas para a Cerimônia. De certa forma, o silêncio dele era muito mais torturante do que aquela conversação interminável de antes. Gideon estava prestes a lhe implorar que falasse alguma coisa, qualquer coisa, apenas para se livrar da sensação de que algo muito errado estava acontecendo.

Graças ao Anjo, já era o dia da Cerimônia e após o evento poderia ordenar qualquer coisa ao feiticeiro, e ele não teria como recusar ou desobedecer. Terminou de colocar as vestes negras e pesadas e passou a mão pelos cabelos negros indomáveis. Hora de descer e encarar os desagradáveis Irmãos do Silêncio.

Quando chegou ao Salão, já previamente adornado para a cerimônia, um homem e uma mulher o encararam, inflexíveis, e Gideon suspirou. A quem estava tentando enganar? Boa parte do seu nervosismo se devia ao fato de ter que encarar Robert e Maryse Lightwood. O Salão estava cheio dos Caçadores de Sombras das redondezas. Jace e Izzy estavam no extremo oposto, conversando animadamente. Tentou ignorar o mal estar e se encaminhou até os pais. Abaixou a cabeça em sinal de respeito.

-Meu senhor e Pai, Minha senhora e Mãe. Peço-lhes a benção.
-Que o Anjo lhe abençoe, Gideon - a voz da mãe sempre tinha esse tom de aço.
-Seja abençoado pelo Anjo, Gideon - a voz do pai sempre era distante e desinteressada.
-Conte-nos sobre a captura do feiticeiro - Maryse ordenou.
-Tudo ocorreu bem - Gideon estava surpreso por ela querer saber e se animou - Ficamos à espera por um bom tempo, e ele quase não veio, mas por fim...
-Você compreende que não temos tempo para os detalhes, Gideon - a voz do pai o interrompeu - Basta dizer se deu tudo certo, se não houve nenhum prejuízo.
-Não, senhor - Gideon trincou os dentes - Tudo ocorreu perfeitamente bem.
-Claro que sim - Maryse assentiu - É sua obrigação fazer com que tudo corra perfeitamente bem.
-Sim, senhora - ele respondeu, humilde. Sempre ia ser assim com os pais e ele não tinha esperança que mudasse.

Um movimento lhes chamou a atenção. Vindo pelo corredor, estavam Catarina e Magnus. Gideon piscou, confuso. Magnus parecia uma pessoa totalmente diferente, com as vestes negras e sapatos novos. Claro que não era só isso. Tinha algo a mais. Uma altivez, um ar completamente desinteressado... Ele caminhava fluidamente, quase como se deslizasse pelo corredor. Gideon engoliu em seco. Esse feiticeiro tinha tantas facetas que era impossível compreendê-lo. Catarina o conduziu para perto deles e Robert e Maryse o estudaram atentamente.

- Nada mal - Robert falou primeiro - O melhor feiticeiro da Grã-Bretanha.

Magnus o encarou como se ele falasse mandarim. Gideon decidiu não falar nada.Tinha a impressão de que se falasse algo, Magnus retrucaria com ironia. Não queria ser humilhado na frente dos pais. Além do mais, Robert acabara de lhe fazer um quase elogio.

- Os Irmãos chegaram - Maryse anunciou, olhando para a porta de entrada- Vamos acabar logo com isso.
Catarina, eu preciso que você fique por perto - ordenou Gideon - Para o caso de haver alguma emergência. Me siga, Bane.

Para sua surpresa, Bane o seguiu sem reclamar. Olhou para ele, curioso e encontrou um olhar cheio de desdém e ódio. Na verdade, todas as pessoas estavam olhando receosas para Magnus. Ele emanava um ar de desprezo tão intenso que ninguém se atrevia a encarar por muito tempo. Eles se aproximaram dos dois irmãos encapuzados, Magnus um passo atrás. As pessoas formaram dois paredões para assistir.

- Meus irmãos - a voz gutural de um dos Irmãos soou dentro da cabeça de Gideon e ele olhou para os lados. Todos estavam em silêncio, parecendo atentos. - Estamos aqui hoje para realizar a Ligação Perpétua entre um senhor e seu servo. Uma runa entre as mãos, que ligará suas almas, enquanto o senhor estiver vivo.

Magnus se sentia totalmente nauseado. Todo este ritual dava uma aparência quase sublime à esse festival de horrores. Nem parecia que ele iria perder sua liberdade e metade de sua alma... Nem parecia que seria tão submisso ao Caçador de Sombras que não conseguiria lhe dizer nenhum não... Não parecia que sofreria cada dor que Gideon sentisse, ou que teria que ficar acordado enquanto ele não conseguisse dormir. Era o inferno. E as pessoas estavam sorrindo e acenando, como se o Lightwood fosse um grande herói. O maldito Irmão do Silêncio continuava falando dentro da sua cabeça...

- Como senhor deste feiticeiro, Alexander Gideon Lightwood deve sempre prover a ele o necessário para sobreviver com dignidade. Abrigo, comida, proteção. Como servo deste Caçador de Sombras, Magnus Bane lhe deve devoção e servidão enquanto viver. Aproximem-se.

Alexander Gideon se aproximou ainda mais dos Irmãos do Silêncio. Bane não conseguiu. Queria passar por isso com a maior dignidade que pudesse, mas suas pernas simplesmente não se mexeram. Tinham lhe relatado a dor excruciante, a sensação de perda de si, a angústia devastadora quando ficava longe de sua senhoria, e o pior, a total incapacidade de negar algo. Por muitos e muitos anos ele fora livre, dono de si... Não podia acreditar que estava perdendo tudo o que conquistara através de dor e esforço. Não podia simplesmente ser propriedade de alguém. Continuou parado onde estava, sentindo os olhos de todos os presentes sobre si.

Gideon girou o pescoço para olhar o feiticeiro. Ele estava tão parado quanto uma estátua. Seus olhos denunciavam o terror que sentia. Era a primeira emoção verdadeira que Gideon via em seu rosto desde que a Cerimônia começara.

- Venha feiticeiro - a voz retumbou em suas cabeças - A Marca não irá matá-lo.

Ele não se moveu. Gideon suspirou. Drama novamente. Odiava drama. Retrocedeu até o feiticeiro e o empurrou pelo ombro, até que ambos estivessem lado a lado perante a estela especial que Irmão Jesseh empunhava. Bane o olhou com crescente terror. Seus lábios se moveram minimamente, mas Gideon pôde ouvir suas palavras.

- Por favor, não - ele estava pedindo.

O Caçador de Sombras sentiu algo se mexer dentro de si. Magnus Bane nunca implorava. Ele devia estar em terror total. Realmente queria não precisar de nenhum escravo, mas era necessário. Não sobreviveria um dia como Curador do Instituto se não tivesse proteção mágica. Balançou a cabeça evitando olhar para ele e encarou o Irmão, que deu seguimento à Cerimônia.

-Juntem as mãos.

Lightwood tomou a mão esquerda de Bane na sua mão direita. Ele estava frio como a noite. Ergueu suas mãos até ficarem na altura correta. Essa doeria mais do que a Cerimônia Parabatai. Repetiu o juramento de proteção e tentou não demonstrar o nervosismo enquanto um Magnus desesperado relutava em falar. Ele estava tão estranho, quebrando a frase em lugares esquisitos, que por um instante Gideon achou que ele fosse morrer ali mesmo.

- Senhor, eu, Magnus Bane, pro... meto, devoção e servidão, todos, os dias, da... sua vida. Sou, inteiramente... seu servo.

Então, Irmão Jesseh circulou suas mãos com a Marca, um nó fixo e inquebrável, que ardeu em todos os poros do corpo de Gideon. Queimava como o inferno, e ele lutou para ficar em pé. Sentiu-se desequilibrar entretanto, quando Bane caiu para a frente, de joelhos, e a Marca fez seu corpo se dobrar junto. Bane jogou a cabeça para trás, sua boca aberta em um grito silencioso, a dor visível em seu rosto contorcido... as pupilas reviradas.

Era a cena mais odiável que Gideon já presenciara, estava claro que o feiticeiro estava no inferno e queria gritar, mas não podia...

Pela primeira vez, ele desejou nunca ter capturado Magnus Bane.

Servidão e Liberdade || Malec Wo Geschichten leben. Entdecke jetzt