Capítulo 22

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Alexander Gideon Lightwood

O céu já estava rubro, o sol baixando no horizonte, a noite se abatendo sobre a terra, quente e úmida, cheia de barulhos típicos da noite (o coaxar de sapos, o cricrilar de grilos) quando Alexander Gideon Lightwood terminou a inspeção nos celeiros da recém reconstruída vila e se dirigiu para a Casa Lightwood.

Um ano havia se passado dos fatídicos acontecimentos que culminaram em sua retirada do posto de Curador e recolocaram seu pai no poder daquele condado. Se ele tinha pensado que aquele dia, vendo a aldeia se desfazer em cinzas, tinha sido o pior de sua vida até então, nada se comparava ao que acontecia agora. O inferno realmente existia, e era na terra, perpetuado por humanos.

Quando perceberam que Magnus não estava mais na cela, os guardas ficaram lívidos de pavor. Houve um silêncio espectral, onde ninguém teve coragem de mencionar uma palavra, e logo após, uma profusão de justificativas, e Alec sabia que eles não tinham a menor ideia de como o feiticeiro fugira, mas mesmo assim, seu pai, Robert, ordenou o castigo com chicotadas para os dois. Foi uma cena horrível de presenciar, e as pessoas ficaram revoltadas pela injustiça, mas Robert não era do tipo que tem compaixão. O próprio Alexander sabia que só não fora, ele mesmo, punido daquela forma, porque o pai queria manter o status de família perfeita.

Alec não teve um dia de paz desde então. A descoberta da fuga do submundano, com a descrença total dos aldeões, as constantes humilhações que sofria, tudo isso era nada, diante do vazio que lhe tomava a alma. Trabalhava de sol a sol, lutando para reconstruir o que tinham perdido, e não respondia a nenhum dos insultos que seus pais, ou até mesmo os aldeões, lhe dirigiam. Uma vez, uma criança que não devia ter ainda quatro anos de idade, tinha lhe jogado pedra e carvão. A mãe da criança não se importou em repreender. Ao contrário, riu. Alec teria rido também, não fosse sua total indiferença quanto à forma como era tratado. Tinha falhado miseravelmente em tudo que se propusera a fazer, e isso era o resultado de seu governo desastroso sobre o condado.

Trabalhando de sol a sol, ainda não conseguia dormir durante a noite, sendo constantemente despertado por pesadelos que se alternavam entre imagens de Magnus Bane rindo sarcástico de sua situação, e imagens da vila se desfazendo em fogo. Acordava ofegante, e muitas vezes, quando dava por si, já estava de pé, à porta do quarto, correndo para apagar o fogo.

As vezes, quando tudo parecia que ia desabar mais uma vez, ele se via correndo, como um covarde, para a casa de Lydia. Ela, a principio, o recebera esperançosa. Mas ele só queria dormir, sem ser incomodado, então, aos poucos ela parou de tentar se esforçar para seduzi-lo. E Alec não era cego, percebia os olhares entre ela e o criado, olhares cheios de... algo que ele reconhecia... mas não se importava. Não valia a pena. Não era nada demais. Realmente, era uma preocupação sem fundamento.

Não sentia fome e só engolia algo quando Izzy o forçava a comer. Na verdade, o mundo lhe parecia inteiramente preto e branco, e todas as coisas não tinham o menor sentido. Comer era apenas um desperdício de alimento, dormir era um desperdício de tempo, e (pensava com seus botões) sua vida era um desperdício de espaço. Tudo era desperdício. Nada era necessário. Sabia que ainda estava vivo apenas pelo fato de que precisava consertar todas as coisas erradas que tinha feito.

Em primeiro lugar, tinham reconstruído a vila. Foram meses de trabalho intenso, sob chuva e sob sol, onde ninguém parou até que todos tivessem onde morar novamente. Depois disso, passaram à reconstrução do depósito de alimentos.

Tinha conseguido, hoje, terminar de contar os fardos de alimentos colhidos no fim da colheita. O depósito, reconstruído, era mais seguro e maior que o anterior. Junto aos aldeões, Alec tinha trabalhado ali todos os dias, de domingo a domingo, até que estivesse pronto. Entre os homens que ali trabalhavam, sentia que alguns não o odiavam. De fato, até o respeitavam. Mas não se importava. Não era algo bom. Não merecia respeito do povo que ele mesmo tinha desabrigado, de forma indireta, ao confiar a Magnus a segurança da aldeia.

Servidão e Liberdade || Malec Where stories live. Discover now