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Parte 1 – Reino de Uxtan

No décimo quinto dia do mês de Ramá, as coisas ficaram agitadas em Uxtan. Poderia ser um exagero da minha parte, mas a verdade era que esse povo era particularmente cruel. Não tão cruel quanto Sulman. Oh, sejamos sinceros. Todo ser na terra que respira tem uma lasca de crueldade dentro de si mesmo. Só depende se você utiliza dela ou não.

Os sete reinos possuíam, cada um, uma particularidade a qual eu nunca me dei o trabalho de pesquisar. Eles também não tinham tanta interação entre si, a não ser para negócios. Depois que Arthora caiu, alguns outros reinos caíram junto, deixando o que nos restou em crise e quase levando todo o continente às ruínas.

E eu tinha outras coisas mais importantes para me preocupar, na verdade. Como conseguir comida. Geralmente, limpar casas rendia o dinheiro de uma semana se somado ao do meu irmão. Porém, agora ele não estava trabalhando.

As botas sujas de lama e terra, naquele dia chuvoso, manchavam o chão de cimento polido e um pouco desgastado pelo tempo usado. Pessoas apressadas, de todas as idades, passavam quase fumaceando seus cérebros pelo estresse do dia a dia, me deixando completamente invisível. Um amontoado de pessoas gritavam um para o outro, reclamando de coisas fajutas. Um pouco mais agitado do que dias comuns, aquela data me deixava ansiosa de uma forma especial.

Observei algumas pessoas novas passarem pela estação. Eu sabia que algumas vinham de outros reinos para fazer negócios ou até passear pelos pontos turísticos de Uxtan; que eram diversos e até curiosos, mas não era tão comum ver pessoas de outros reinos menores.

Chutei algumas pedrinhas, observando-as pular para longe; com um ânimo maior que o meu, entretanto. Tentava reprimir a ansiedade, que talvez já poderia ser confundida com a fome. Muitas vezes, nem sabia diferenciar.

Ao longe, a capa vermelha da menina de cabelos loiros me chamou a atenção. Os olhares tortos batiam em cima dela, julgando-a, mas sua capa era simplesmente uma graça. Ela caminhava em minha direção, olhando para os lados.

— Sabe, as vezes me impressiono com sua motivação de vida — disse ao se aproximar.

Dei de ombros, observando-a. Suas sardas eram fofas contra o contraste do inverno.

— Trouxe bastante hoje. Acho que vai aguentar até a próxima semana.

— Não precisava se preocupar tanto, Tinny — falei. — Eu consigo me virar até os fins de semana.

— Qual é? Acha mesmo que vou deixar você desfalecer aos poucos enquanto tenho comida em casa? Nem pensar. Aqui. Está quente ainda. Pode mandar a ver.

Sorri. Era por isso que eu amava Tinny.

Eu a conheci quando trabalhei para sua mãe, na região leste de Uxtan, onde uma parcela da população rica habita. Eu limpava a casa enquanto Tinny me enchia de perguntas. Na maior parte do tempo, conversávamos sobre coisas fúteis e eu evitava falar sobre coisas que julgava desnecessárias que ela soubesse.

Nunca contei a ela sobre meu sangue arthoriano.

Tudo o que ela sabia era sobre meu pai.

Peguei a bolsa que a garota na minha frente estendia, sorrindo ao sentir o morno esquentar minhas mãos frias. Não fazia tanto frio, mas a desnutrição me permitia passar mais frio do que calor. Nas noites de inverno, eu tinha sorte de não morrer congelada.

Me afastei um pouco, sentando no chão sujo e encostando-me na parede que deveria ser branca. Minhas mãos tremeram ao abrir a bolsa, encontrando não dois, mas cinco potes cheios de comida. Minha boca salivava e meu estômago reclamou. Eu realmente estava com fome.

Arthora | A Queda de Um ImpérioHikayelerin yaşadığı yer. Şimdi keşfedin