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Eu puxei o ar com força, deixando meus pulmões tomar posse. Sentia as mãos quentes pela primeira vez em muito tempo. Meu coração batia rápido e me deixava ansiosa.

Aos poucos, o batimento diminuiu para algo mais tranquilo. Um tique-taque sincronizado e uniforme se fazia presente sob meus ouvidos.

Eu me encolhi, abraçando minhas pernas e me sentindo, de repente, muito cansada. Pelo canto do olho, o vi sentar-se também ao meu lado, esperando que eu dissesse alguma coisa.

Eu puxei o ar com força de novo, permitindo-me sentir que ele entrasse em minhas narinas e me agradando da sensação de ter os pulmões cheios de ar.

— Ele fazia isso toda vez — falei depois de um tempo, atraindo sua atenção. Não olhei para ele. Se o fizesse, começaria a chorar. — Ele nos dava tarefas impossíveis de realizar e nos castigava com o chicote, porque, de qualquer forma, ele sabia que nunca terminaríamos a tempo.

Dei uma pausa para respirar, impedindo as lágrimas de descer.

— Esse era seu maior prazer. Rasgar nossas costas e nos fazer caminhar com dores até o banheiro, onde litros e litros de água eram gastos para conter o sangramento. Nós manchávamos toda a casa e éramos obrigados a limpar nosso próprio sangue. E nenhum funcionário podia ajudar.

Engoli em seco, evitando as lágrimas ao lembrar de outro episódio.

— Um dia, pedi com o maior cuidado do mundo para que ele comprasse um doce que vi na feira. Era o meu doce preferido. Eu era pequena, mas já tinha ideia do que ele era capaz e meu irmão sempre me alertava. Eu senti vontade e fiz o que qualquer criança de cinco anos faria; eu pedi.

Senti as gotas quentes escorrerem por meu rosto, pingando no chão de madeira enquanto eu reparava que ele não desviou a atenção de mim um segundo sequer.

— Me lembro do barulho exato do tapa que ele me deu. O susto, o disparar do coração e a dor que queimou metade do meu rosto. Naquele dia, eu segurei o choro até chegar em casa, mas foi tão difícil! E quando cheguei, desabei nos braços do meu irmão, porque lá me sentia protegida. E meu pai gritou e culpou meu irmão pelo meu choro barulhento, porque eu não sabia chorar em silêncio. Desde então, eu aprendi a apenas derramar lágrimas e soluçar baixinho.

E continuei, porque era compulsivo:

— Um xingamento era nosso presente de aniversário, os remédios eram por nossa conta e se não quisesse a gororoba estranha que ele nos oferecia pra comer, então que nos virássemos para achar algo que enchesse o estômago. Todo ano, quando completávamos mais um ano, ele aparecia para nos dizer o quão nojento era para ele ter filhos arthorianos, mesmo ele sendo um de nós.

Eu ri com escárnio.

— Que hipócrita! Ele me desprezava porque eu era desse povo. No meu aniversário de doze anos, ele me presenteou dizendo que eu não era filha dele. Que ele nunca me considerou filha porque eu não era digna de ser. Que éramos... apenas objetos.

A esse ponto, era inútil tentar segurar as lágrimas. Simplesmente escorriam até pingarem, gordas e grossas no chão de madeira.

Eu já soluçava forte e quase não enxergava.

— E isso não é nem um por cento do que ele fazia! — Senti algo torcer meu peito — Hale era o único que me mantinha de pé. Ele era a razão por eu ter aguentado tanto tempo.

Não precisei continuar a última frase. Ele já sabia o que eu teria feito se Hale não estivesse aqui enquanto eu passava por tudo aquilo.

Senti sua mão pousar nas minhas costas e os soluços diminuíram. Mas ainda doía, doía muito. Ele acariciou minhas costas.

— Eu nunca pensei que aguentaria tanto — solucei, obrigando-me a cobrir a boca para que o soluço não saísse alto demais.

— Oh, minha pequena — disse com tanto carinho que acabei chorando mais.

Eu olhei para ele e me surpreendi ao encontrar lágrimas escorrendo de seus olhos enquanto ele olhava com ternura para mim. Seus olhos eram difíceis de encarar, e por um momento, não entendi o porquê.

Eles estavam refletindo minha dor. E era forte, forte até demais, que me chegava a arder os olhos.

Ele chorava comigo. Ele sentia minha dor. Ele me entendia.

E nesse momento, ele estendeu a mão para mim.

— Eu te aceito como filha — disse.

Eu solucei, apertando os lábios em um gesto inútil para impedir as lágrimas de escorrerem.

Eu segurei em sua mão, sentindo-a fechar-se ao redor da minha. Então, ele me puxou para um abraço confortável, onde chorei até as lágrimas secarem, até a garganta secar e arder, até o pulmão chiar e os olhos pesarem.

Foi a primeira vez que me senti em um abraço paternal.

Arthora | A Queda de Um ImpérioWhere stories live. Discover now