A aurora caiu rápido. E quando vi, o alvorecer se aproximava, estonteante, belo e singelo. Meus olhos ardiam, os ouvidos mal escutavam e minhas mãos estavam dormentes. As farpas do píer de madeira me incomodavam e eu queria arrancá-las, mas tudo o que eu fazia era ignorar a sensação. Minhas trêmulas mãos roçavam a pele da minha perna suavemente, enquanto eu encarava o rio, que parecia sem cor, vazio, mesmo que fosse muito bonito. Meu coração se acalmava aos poucos, mas eu ainda o sentia na garganta.
Braços confortáveis me envolveram. Recusei a olhar para trás. O reconheceria de longe. Ele acariciou meu ombro.
— Você quase não dormiu. — Não foi uma pergunta.
— Não.
— Deveria parar de ser teimosa. Vamos pra cama.
Dei de ombros.
— O tempo de dormir já acabou, Hale.
Sem forças para discussão, meu irmão se sentou ao meu lado no píer, encarando a água do lago, limpa e translúcida. Sua mão permaneceu em meu ombro, reconfortando-me. Eu aceitava porque ele era meu irmão.
— Eu estou doente, mas se continuar assim, vai ser você.
Seus olhos castanhos me fitaram.
Ele sempre foi muito diferente de mim. Enquanto meus olhos beiravam avelã e um verde sutil e meu cabelo o vermelho sangue, Hale tinha uma aparência mais pacífica, carregando um loiro cor de areia e olhos marrons como a terra. Ou como chocolate.
— Eu vou ficar bem. — Dei de ombros.
Minhas mãos tremiam. O lago de repente entrou e saiu de foco. Acho que meu irmão não percebeu.
— O que você acha? — perguntei a ele. — Sobre tudo isso?
Ele abaixou a cabeça para observar o que eu encarava também. Eu quase podia ver o fundo do lago. Alguns peixes bem pequenos nadavam próximo a superfície.
— Zylia está nisso há bastante tempo. E, apesar de ser jovem, ela deve estar cansada. — Como desconfiei.
— Mesmo assim. Tem algo de errado em toda essa história.
— Tipo o quê?
O treinamento. Não sei. Tinha um mal pressentimento.
— Os outros já começaram, Hale — diminuí o tom — e, a não ser que você tenha contado, eles não sabem sobre Ayllier.
— Não sabem. Eu não contei.
Ergui as sobrancelhas.
— Nem mesmo Zylia?
Ele baixou os olhos, encarando o outro lado do lago.
— Não. Eu não disse a ela para onde iria quando saí de Álix. Estava com medo, não consegui ter tanta certeza e fiquei esperançoso de encontrar um outro jeito.
Mas ele não encontrou. Quando o assunto é Sulman, não há outra alternativa além da morte.
— É disso que eu tô falando. Se torcem por nós, por que raios iriam ser injustos com isso?
— Não estariam sendo injustos, você sabe.
— Não sei.
Meu irmão assentiu. Seu cenho franzido indicava que ele pensava no assunto.
— Mas não estaríamos em desvantagem — ele falou baixinho.
— Não. Realmente não estaríamos.
Quando estávamos em Ayllier, nós aprendemos a lutar. Sozinhos, escondidos, do jeito que conseguíamos, mas aprendemos. Sabíamos bem pouco, apenas o bastante para conseguir sobreviver. Então talvez não estivéssemos em desvantagem. Se eu conseguisse lutar sem pesadelos outra vez, ou sem chorar antes de uma longa noite de sono.
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Arthora | A Queda de Um Império
Fantasy[Obra concluída ✔] Há 980 anos, Arthora, um dos Sete principais Reinos, foi escravizado. Gaëlle Provence é descendente dos escravos, e esteve nos campos de escravidão quando era uma bebê, até que seu irmão, Hale Provence, fugiu com ela para evitar s...