Sim. Santo Imperador, sim! Arthora.
Durante tantos anos da minha vida, jamais imaginei que sairia de Ayllier. Depois pensei que não conseguiria sair de Uxtan porque a vida miserável de qualquer arthoriano automaticamente me condenaria. Somos arthorianos, afinal.
Estar ali, estar em Arthora era uma conquista. Principalmente se você tem o meu sangue e está do lado de fora da Cerca.*
Com alicerces destruídos, casas abandonadas, vestígios, sangue, heranças; tudo deixado para trás em um momento de desespero: esta era Arthora. Há quase dez séculos, meu povo correu em direção às ruínas depois da guerra. Desde então, não se viu mais liberdade.
— Por que não viemos para cá antes? — perguntei de repente. — Por que não simplesmente usamos os Túneis?
Meu irmão ficou em silêncio. Um atordoado e irritante silêncio, onde apenas as ondas triunfavam.
Por fim, seus olhos pousaram sobre mim.
— Há muitas coisas que não dependem apenas de nós. Não somos mais livres como éramos há quase um milênio.
— Sei disso. Mas você usou agora. Por que não antes?
Hale levou a mão ao bolso e retirou algo pequeno. Observou, sem me deixar ver, mas destruindo as barreiras logo em seguida, me mostrando um pequeno apito prateado, que refletia a pouca luz que a lua redirecionava para a terra.
— Isso é o que nos dá permissão para usar os Túneis. Foram feitos para emergências, ajudas, como dádivas para aqueles que descendiam do nosso povo. Dei o meu para uma pessoa uma vez, antes de fugirmos.
— Espere, mas... você não tocou antes de sairmos.
Hale deu um riso nasalado.
— A pessoa que toca esse apito dá a permissão para que outra se teleporte para um lugar próximo a ela, caso saiba onde esteja.
Estava boquiaberta.
— Usou a chance de ajudar alguém para fugir? Hale!
Ele negou.
— Não, Gaëlle. A pessoa que presenteei anos atrás já usou sua chance — disse, observando o apito e franzindo o cenho. — Não sei de quem é este.
Com isso, ele caminhou para a parte mais rasa, sentando-se e deixando que a água o molhasse por completo. Eu fiz o mesmo, deixando com que a água salgada molhasse as pontas do meu cabelo ruivo.
— Podemos usar os de outras pessoas?
Hale assentiu.
— Independente de quem seja, se você redireciona o pensamento para alguém e o toca, essa pessoa ouve e pode se deslocar.
Meu irmão enfiou a mão livre no outro bolso e retirou outro apito, porém, este tinha a cor verde e me lembrava casca de limão, com alguns detalhes prateados.
— Este é o meu. Foi usado há muito tempo.
Ah. Ele me estendeu o apito, onde fiz uma concha com a mão e deixei-o depositar ali. Deslizei o pequeno objeto pelos dedos, sentindo sua textura fria.
— Fique com o meu — disse, dando de ombros. — Caso precise.
Sorri e o guardei no bolso da calça.
Eu observei a enseada, pensando no nosso povo. Seria incrível se tivéssemos crescido ali.
Arthora ainda era maravilhosa, mesmo que ainda estivesse de noite. Era pacífico. Tudo ali passava paz; o som das palmeiras movendo-se pelo vento, o mar que tomava parte da enseada, a areia branquinha e fina entre os dedos dos meus pés e as estrelas que compunham o céu.
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Arthora | A Queda de Um Império
Fantasy[Obra concluída ✔] Há 980 anos, Arthora, um dos Sete principais Reinos, foi escravizado. Gaëlle Provence é descendente dos escravos, e esteve nos campos de escravidão quando era uma bebê, até que seu irmão, Hale Provence, fugiu com ela para evitar s...