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Eu descobri três coisas óbvias durante os três dias que se seguiram desesperadores e lentos. Um, eu não me dou bem com o luto. A raiva explodiu para fora de mim e agarrei um vaso que decorava o lugar e quebrei contra a prateleira de livros. Tão, tão próximo da cabeça de Renoward. Poderia ter facilmente acertado se quisesse, mas não faria isso, de qualquer forma. A intenção não era essa.

Dois, chorar é exaustivo e tira minha fome. Eu não evitei comer por simples manha, mas porque eu tinha mais enjoos do que fome. Vomitei em uma das crises que tive, onde eu já não sabia mais diferenciar o cheiro do vômito com o de xixi.

Renoward me ajudou naquele momento. Sem nenhuma palavra, enquanto eu colocava as tripas para fora, senti as mãos firmes e enluvadas do soldado segurar meu cabelo. Ele esperou até que acabasse e depois, sem protestar, alcançou uma roupa no baú e levou até o banheiro, como uma recomendação silenciosa para que eu tomasse banho. Eu o fiz, deixando mais lágrimas se misturar com a água quente.

Três, eu preferia que tivesse sido eu. Uma jogada egoísta, mas verdadeira. Eu preferia morrer do que ficar e sentir o que sentia. E me reprimi por alguns outros momentos por pensar apenas em mim mesma. Mas a verdade, é que Hale não merecia isso. Seu coração era bom. Eu merecia por ser egoísta. Por não cuidar dele direito.

Não sei quanto tempo passou, mas dormi a noite toda para acordar chorando e completamente sem forças. Durante os três dias. Cheguei a um ponto de apenas chorar e dormir. Não levantava da cama, não tomava banho, não ia ao banheiro. Comia pouco, o bastante para vomitar absolutamente nada depois. Empurrava o tempo com a barriga. Envelhecia sem me importar em envelhecer.

Uma voz sensata gritava dentro de mim dizendo que eu não deveria agir assim, mas eu não via outra forma de reagir. Meu irmão estava morto, e eu pensava jamais entender o porquê. Não queria aceitar que Tuorc fez isso apenas para atingir Zylia, ou que tudo era possivelmente um acordo entre dois reinos. Por isso, eu não considerei que o motivo da morte de Hale era algo muito maior e mais incompreensível do que alguém jamais imaginaria. Nem mesmo ele imaginou. Quem dirá, eu.

Mas depois, eu entendi. É claro que sim. Foi tarde demais, depois que ele já tinha ido embora.

Meu coração palpitava com a saudade, nua e crua dentro de mim. Eu queria não poder esquecer da voz dele, que já desaparecia da minha memória. Eu queria não esquecer de seus olhos castanhos como terra fértil que ele carregava ou seu bom coração, sua alegria contagiante, sua força de vontade. Isso tudo parecia desaparecer mais rápido do que a dor.

Naquela noite, eu acordei com Renoward me chamando. Sua mão pousou suavemente no meu ombro. Eu não me virei a princípio.

— Gaëlle, você precisa levantar. — Ele pediu pela terceira vez. — Vamos, Carmim.

Eu me virei brevemente, com dificuldade de abrir os olhos por causa da claridade das lamparinas. Renoward estava do mesmo jeito de sempre; cabelos escuros penteados para trás, com alguns fios que caíam em sua testa, os fortes olhos verdes em cima de mim; as sobrancelhas retas na mesma posição. Percebi que ele ainda usava as luvas de couro.

— Você precisa comer.

— Que horas são?

— Oito e meia.

Me sentei, sentindo meu estômago revirar.

— Estou sem fome.

Renoward me observou brevemente, como se analisasse minhas condições físicas e emocionais.

— Tente comer pelo menos um pouco — disse. — Vai te fazer bem.

Ele se levantou, indo até o sofá perto da lareira. Sentou-se. Esperou.

Arthora | A Queda de Um ImpérioOnde histórias criam vida. Descubra agora