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Eu não diria que aquele líquido louco que Renoward me deu me deixou animada, mas me tirou um pouco da choradeira. Estava um pouco mais apática, como se um calmante estivesse pingando aos poucos no meu estômago e agora o tique-taque do tempo fosse mais interessante.

Folheei alguns livros, observei a capa de outros. Alguns pareciam interessantes, outros nem tanto. Havia uma variedade enorme de livros de exatas; outros que explicavam polímeros e reações com cloreto de amônia.

Vi o que tinha de comida nos armários. Tomei muito daquele líquido, cujo meu cérebro fez questão de apagar o nome.

Confesso que mexi em alguns papéis que Renoward deixou em cima da mesa. Um deles possuía sua caligrafia, corrida, inclinada e redonda. Fina, simplesmente o tipo de caligrafia perfeita. Não havia nenhuma letra torta ou sequer uma rasura.

Saí do escritório, sentindo uma pontada de dor de cabeça. Então andei até a cama, sem me importar em apagar as luzes. Mas o sono não veio, e sim as lembranças de Hale. Eu não podia continuar chorando. Estava cansada.

Por isso, levantei, sentindo a cabeça rodar e um leve formigar nos braços.

Mexi mais um pouco nos livros, folheando um que falava sobre crises da população do continente. Aparentemente, tinha acontecido há mais de sete mil anos e foi um surto de uma doença rara, onde as pessoas tinham no máximo três dias de vida depois de contraí-la. Causava dores abdominais, enjoos, vômitos, sensação de pressão baixa e pele amarelada. Parece que demoraram vinte anos para descobrir uma cura. Apesar disso, nunca mais se ouviu falar nessa doença depois.

Revirei as gavetas do banheiro, sentindo todos os aromas novos que eu poderia sentir com os sabonetes. Remexi nos armários da cozinha também, checando todos os tipos de remédios, quantos pratos e copos tinham, a qualidade das panelas e tomei ainda mais daquele suco.

Até que não havia mais nada para fazer. De novo.

Sentei-me na cama, observando os dedos dos meus pés, quando uma súbita e estranha ideia passou pela minha cabeça.

Senti curiosidade demais para poder me segurar. E se eu desse uma espiada na última porta? Não acho que algo lá dentro me mataria.

Esteve fechada e intacta desde o dia em que cheguei. Pintada de branco, a terceira porta de correr parecia bem mais chamativa do que as outras. Me aproximei, sentindo uma corrente de ar sair por debaixo dela. Era fraca e suave, mas me chamava atenção.

Sabia o que o soldado tinha dito. Mas, da mesma forma que eu queria dar ouvidos a ele, eu queria ignorar completamente. Afinal, o que de mais teria ali?

Apoiei meu ouvido nela, procurando algum barulho, algo que entregasse o que Renoward não queria que eu visse. Nenhum som. Devagar, ergui a mão, batendo à porta com o dedo indicador. Esperei. Nada ainda.

Segurei a haste de metal polido, sentindo-a congelar a minha mão, assim como o chão de pedra incrivelmente gelado fazia. Puxei para o lado, colocando meu peso para conseguir puxá-la.

Abriu uma fresta, mas emperrou logo em seguida. Espiei lá dentro, onde algo de metal refletiu a luz no meu olho. Praguejei baixinho.

Me posicionei contra a batente, empurrando a porta o mais forte que podia. Ela desemperrou, abrindo por completo e me fazendo machucar um pouco as costas. Estudei o trilho antes de olhar para qualquer outra coisa. Estava prejudicado, com leves amassadões, como se alguém tivesse batido nele diversas vezes.

Então, olhei ao redor. Era um pequeno closet. Era pateticamente minúsculo em comparação ao quarto. As prateleiras iam do chão ao teto, sem nenhum intervalo. Armazenavam sapatos, calças, camisas, camisetas e paletós de grife. Estavam organizadas por tamanho e cor, percebi.

Arthora | A Queda de Um ImpérioOnde histórias criam vida. Descubra agora