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A primeira coisa que o vi fazer foi quebrar o dispositivo. Raiva irradiava dos seus olhos.

Renoward alcançou uma bolsa e jogou para mim.

— Vista o que der.

Ele não esperou para começar a recolher as coisas. Sentei-me. Abri a bolsa e encontrei um casaco preto. O vesti, enfiando-o com dificuldade sobre meu braço ferido. Arranquei o tênis e vesti a calça preta por cima da outra que eu usava. Meu corpo começaria a esquentar logo.

— De onde eram os soldados que atacaram? — perguntei. — Sulman?

— Não. — Ele jogou uma garrafa d'água para mim. — Beba mais um pouco.

Assim o fiz.

Queria ficar ali. Queria ficar quieta no meu canto e chorar pelo meu irmão. Era só isso que eu sabia fazer de melhor.

Ainda sentia a garganta fechada quando pensava nele.

Renoward não apagou o fogo.

— Vamos. — Estendeu a mão para mim. Uma mochila pendia atrás das suas costas.

Hesitei. Mal reparei que ele vestia um casaco preto que ia até os joelhos. Suas luvas de couro não estavam mais sujas de sangue, seja lá o que ele tinha feito.

— Pra onde?

— Continuar. Não temos tempo, Gaëlle.

Segurei sua mão, que me puxou pra cima, firme e confiante. O couro estava morno e contornava todas as linhas da mão do soldado.

— Está em condições de correr? — perguntou e eu assenti. — Ótimo. Vamos.

Ele me puxou junto para o meio das árvores, na escuridão. Longe da fogueira e dos tocos de madeira estilhaçados.

O vento batia contra mim e me deixava enjoada. Ainda estava tomada pela adrenalina quando o primeiro tiro soou tão próximo da minha orelha que pensei ter perdido ela por alguns instantes.

Renoward segurava meu cotovelo bom e me guiava rápido por entre as árvores. Os tiros não paravam.

Descemos o morro, tentando intercalar as árvores e desviar das balas. Meu braço latejava. Eu quase não conseguia acompanhar o ritmo dos passos do soldado, que eram largos demais. Pulamos outro tronco de árvore caída e eu quase tropecei.

Poderíamos ficar e lutar, mas seria inútil quando não se via nenhum soldado. Quando não se via o oponente.

Corríamos o máximo que nos era permitido. Eu não conseguia enxergar com clareza, meu coração batia rápido e o ar era rarefeito. O vento era gelado e me doía os dentes.

O soldado me guiou morro abaixo e depois me empurrou para detrás de uma árvore. Alcancei uma arma no seu coldre sem que ele percebe. Se percebeu, não fez nada. Mãos ágeis se sobressaem nesses momentos.

Virei a tempo de ver Renoward levantar o braço na frente do rosto quando algumas balas vieram na sua direção. A luz azul brilhou forte de novo.

Não foi emitido nem um barulho se quer quando aquela luz, seja lá o que fosse, parou as balas no ar. Os tiros cessaram.

Renoward sacou uma arma.

E atirou.

Seu olhar foi tão breve e quase imperceptível, mas entendi o recado. Voltei a correr, para longe, longe, longe. O relógio parecia ser meu inimigo, apesar de eu não entender por quê. Meus passos eram barulhentos contra as folhas secas, galhos e mato.

Meu braço latejava a cada passo e suspiro.

Desci o morro, sem rumo, indo para onde a intuição me mandava.

Arthora | A Queda de Um ImpérioOnde histórias criam vida. Descubra agora