CAPÍTULO 14

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Honor se levantou, o sol ia nascer. Ele adorava morar num lugar tão alto como o que morava, talvez fossem seus instintos felinos, pois podia ver o sol nascer, ver todo o espetáculo de cores que despontavam no horizonte, era incrível.
Seu telefone tocou, ele se vestiu para atender, quem sabe o que poderia ser? Ele vestiu um short de dormir e se sentou no parapeito de sua janela.
"Alô?" Ele atendeu, ouviu a respiração ofegante do outro lado da linha parar e Honor sentiu quem era.
"Livie." Ele disse. Ela voltou a respirar.
"Oi." Livie respondeu. Honor fechou os olhos. O que mais faltaria?
"O que você quer Livie?" Ele perguntou, já sabendo que ela com certeza não saberia responder. Livie estava passando por muita coisa, ele queria muito ajudar mas isso era algo entre ela e Pride.
"Pride já sabe?" Ela perguntou, a voz cheia de medo.
"Sim." Honor se lembrou do rugido de dor que seu irmão soltou quando Violet contou. Seu pai, Noble, James e Joe se jogaram sobre ele até que ele se acalmasse. Sua mãe e Violet choraram, Honor não conseguiu sair de seu quarto, ficou escutando a confusão. Ele era culpado. Se não gostasse tanto de conversar com ela...
"Acha que ele vai me perdoar?" Honor sorriu. Perdão. O que era perdoar? Era esquecer, e isso era impossível.
"Por que demorou tanto?" Honor se lembrou de que Lily começou a conversar com ele a dois anos atrás mais ou menos.
"Eu estava viciada. Evan me viciou numa droga alucinógena, que aliada a minha capacidade mental, me fazia viver quase que só num mundo de fantasia. Eu gostei disso. Eu tinha Pride comigo, meus filhos, até minha mãe e meu pai, todo dia era uma festa, todo dia uma aventura. Ele usou meu DNA de alguma forma durante esse tempo, até que criou uma droga de aprimoramento perfeita. Minha avó me achou a alguns meses atrás e exigiu que ele me libertasse, ele já tinha conseguido o que queria, então me levou para uma das mansões da vovó, numa cidade pequena no norte da Inglaterra. Eu devia ter voltado, mas não conseguia ter coragem." Fazia sentido. Pride dizia que sonhava com ela todo dia, Lily dizia que sua mãe vivia em sua cabeça. Honor tinha muitas vezes a impressão de que ela estava fora da realidade.
"Você tem uma desculpa pelo tempo, mas não por que mentiu sobre sua morte." Honor disse. Era muito melhor conversar assim, às claras, sem ficar procurando um sentido oculto nas coisas que ela dizia pela boca de Lily.
"Eu tive medo. Eu era muito nova. Quando eu engravidei, eu fui presa por Evan e pela minha mãe, eu só passava os dias esperando ser resgatada ou me preparando para que me tomassem os bebês. Quando eu fui resgatada, eu tomei um tiro, eu quase morri. Quando eu vi que tudo tinha dado certo, eu quis fugir. E eu fugi. E agora, não há desculpa para o que eu fiz, só pelo tempo que eu fiquei fora, mas não pelo que eu fiz." Ela parecia estar chorando.
"Você era muito nova. Não sabia nada da vida, você passou quase toda a sua vida em colégios internos, isso tirou de você vivência com as pessoas, você errou, mas eu consigo ver que o seu coração é bom. Pride também vai ver isso."
"Ele reagiu muito mal?" Honor pensou no rugido e no choro de raiva que ouviu de seu quarto.
"Sim." Ela ficou em silêncio.
"Eu queria ir embora. Mas tem Lily e Sheer. E eles, você acha que vão me perdoar?"
"Lily vai, você sempre esteve com ela. Já Sheer, eu não sei." Sheer estava muito precoce para sua idade, ele era travesso, mas havia um ar de responsabilidade nele, algo que Honor sentia e aprovava.
"Sabe, é tão horrível fazer o mal! É tão ruim magoar pessoas. Eu me sinto péssima todo o tempo. Foi por isso que eu não queria voltar." Honor sentiu a tristeza dela e ficou triste.
"Nós sempre vamos magoar alguém, faz parte de nossa condição humana, querida. Quando nos arrependemos, quando sofremos por termos feito outros sofrerem e tentamos nos redimir, aí sim crescemos. Use tudo isso para crescer, para aprender. Não há como voltar atrás. Eu posso imaginar como a fuga é tentadora, mas você é forte, vai passar por isso."
"Eu gostava muito das nossas conversas. Acho que foram elas que me manteram na realidade." Ela disse e o coração idiota de Honor aumentou a velocidade das batidas.
"Como foi? Quer dizer você disse droga alucinógena, mas que tipo de droga?" Ele perguntou, ela suspirou.
"Eu cheguei na Inglaterra com uma carteira de identidade mais velha e com uma transferência de faculdade falsa. Cortesia de James." Honor a interrompeu.
"James? Tem certeza?" Seu irmão não faria uma coisa dessas.
"Simple disse que daria um jeito." Honor bufou. É claro que Simple estaria metido nisso.
"Continue." Ele não deixaria Simple sair disso incólume, ele contaria tudo.
"Então, eu me dediquei. Estudava de dia e me comunicava com Lily e Sheer a noite."
"E com Pride." Eles tinham sonhos eróticos, Pride dizia isso, Honor achava muito estranho, mas não pensou muito nisso, ele achava que fazia parte do processo de luto na época.
"Sim. Eu visitava a mente dele, mas o processo era muito cansativo. Haviam noites que eu mal via Lily e Sheer."
Fazia sentido. Muitas vezes, Pride dizia ter tido pesadelos. Tudo o que ele passou foi muito traumático, ficar tendo sonhos felizes toda a noite, não seria possível de forma natural.
"O primeiro ano passou voando. A faculdade me desafiava, Lily e Sheer estavam felizes com sua família. Eu me dediquei, tudo parecia estar sob controle, Pride estava começando a se controlar. Fiquei, e esse foi mais um dos meus erros, talvez o pior."
Honor se lembrava do primeiro ano de seus sobrinhos. Eles estavam bem, estavam felizes, Pride realmente começou a se controlar, começou a fazer as jóias.
"Meu pai, Evan, ele estava mal. Ele tinha perdido tudo quando foi dado como morto, ele foi morar numa das casas da minha avó, bem longe, sozinho. Nada que ele não merecesse, ele sempre foi um lixo de pessoa. Mas um dia ele me ligou, dizendo que queria me ver. Eu já estava me consumindo em culpa, eu não tinha voltado, estava bem na faculdade já estava quase me formando, no fim do ano eu iria terminar, então, eu o encontrei. Acho que sempre o vi como pai. Um pai de merda, mas um pai."
"Você se comunicava com meu tio?" Assim que descobriu que ela estava viva, Honor pensou em confrontar o tio V. várias vezes, mas não teve coragem.
"Sim, mas não muito. Não era tão fácil. Eu consigo me comunicar bem com Grace e Rom. Com papai, é como com Pride, precisa de muito esforço."
"Certo." Ele disse e esperou.
"Ele veio cheio de charme, se dizendo arrependido e eu caí. Começamos a nos ligar, ele me encorajava a me formar, dizia que eu estava presente na vida dos meus filhos, ele me disse o que eu queria ouvir. E o segundo ano passou."
Ela estava organizando sua mente, honor sentia que ela se agarrava a idéia de que as coisas foram piorando a partir da decisão errada que ela tomou.
"Livie, cair no charme de seu pai não foi sua culpa. Ele é culpado e a parcela de culpa dele é muito maior, não se esqueça disso."
"Mas ele não se importa. Eu..." Ela chorou. Honor prendeu o telefone entre o ombro e o rosto, escalou a parede e subiu no telhado, o sofrimento dela estava cortando o coração dele.
"Quando eu me formei, eu consegui um estágio, era a hora de ir embora, mas não fui, era em uma escola tradicional daqui, eu estava muito orgulhosa de mim, ainda que exausta. Meu pai me levou para jantar, para comemorar e me deu umas pílulas, disse que era pra ajudar com o stress.
Eu nem cheguei a trabalhar lá. Eu passei uma semana direto fantasiando que trabalhava lá e que Pride e os bebês moravam comigo. Quando acordei, estava num lugar estranho, uma casa isolada e Evan disse que eu tinha surtado. Eu acreditei. Ele me apresentou um médico que me disse que eu precisava continuar com as fantasias, que isso era fruto das capacidades únicas da minha mente. Eu acreditei e continuei tomando as pílulas. Era tão bom! Imagine você viver histórias inteiras na sua mente, Honor! Cada uma mais real que a outra!" Ela aumentou o tom de voz, estava ficando nervosa.
"Evan era tão filho da puta que quando eu me viciei, ele me deixava dias sem, dizia que era porque eu não podia sair totalmente da realidade. Eu então, fazia o que ele pedisse. Hoje vejo que era para que papai não desconfiasse. Era nesses períodos em que eu conversava com ele, com Grace e mais tarde, com você." Ela disse. Honor ficou em silêncio, ela também. Evan Graham tinha de ser morto. Honor não era de odiar, mas ele faria isso, ele o mataria com as próprias mãos.
"E Pride? Como você continuava nos sonhos dele?"
"Eu não sei. Acho que tínhamos algum tipo de conexão e ele compartilhava de alguns dos meus sonhos. A droga me afastou um pouco dele, eu acho." Honor se lembrou de que no terceiro ano, Pride esteve mais triste. Talvez era porque ele não sonhasse com Livie o suficiente.
"Eu fui ficando cada vez mais dependente, Honor. Eu passava semanas inteiras fora do ar, quando minha mente estava no mundo real, era tão horrível! Eu me afastei de Lily, perdi o contato com Sheer e depois, Pride começou a tomar alguma coisa que o afastou definitivamente de mim. Só você ficou." Honor rosnou de frustração.
"Como assim?"
"Lembra da primeira vez que conversamos?" Ela perguntou, ele não sabia ao certo. Quando descobriu que não era Lily que conversava com ele, Honor não sabia desde quando isso acontecia.
"Eu não sei. Eu demorei um pouco para ter certeza de que não era Lily. E eu..." Ele não tinha coragem de dizer que achou que Livie era um fantasma ou uma criação da mente dele.
"Lembra quando ela caiu? Quando tropeçou e quebrou uma pontinha do dente?" Honor se lembrava. Lily não quis dormir com Pride, ela dormiu com ele. De madrugada, Honor acordou com Lily lhe acariciando o rosto.
"Mas isso..." Isso foi a quase três anos atrás. Dois anos e oito meses se ele fosse preciso.
"Eu disse que seus olhos eram diferentes, que eu nunca tinha notado isso. Você não achou estranho Lily dizer isso?" Honor não respondeu. Se isso fosse verdade, Livie teria visto muito mais dele que ele gostaria.
"Não, não achei. Meus olhos não são tão diferentes, só são um pouco mais claros e..." Ela riu.
"Eu adoro a sua timidez. E o que diria se soubesse que naquela vez que Lily se sujou toda no zoológico, que eu não disse nada, mas o vi durante todo o tempo em que você deu banho nela?" Honor olhou para o sol. Devia ser umas seis da manhã já. Ele tinha de desligar. Não estava gostando nada do rumo da conversa.
"Isso é... Bom eu tenho que ir. Pride deve já estar indo para aí. Conte a ele tudo o que você me contou, ele vai perdoar você e..." Honor se esqueceu de Minerva.
"E... Todo mundo diz isso, mas eu não sei se mereço perdão, Honor." Ela disse, Honor suspirou.
"Acho que você precisa se perdoar, acho que precisa olhar tudo com um olhar menos culpado. E eu tenho de te contar uma coisa antes de desligar." Ela fez um som estranho, Honor rejeitou o pensamento idiota de que ela queria continuar conversando. Livie apenas queria ajuda, ela queria juntar forças para enfrentar o que iria acontecer naquele dia.
"Pride se casou. Não o nosso acasalamento, ele foi num cartório aqui perto e se casou. Acho que o casamento não foi consumado, ele disse que queria companhia e uma mãe para Lily e Sheer." Ele disse e esperou.
Livie respirou fundo. Honor perdeu a paciência.
"Livie? Livie, tudo bem?"
"Eu... Não sei o que dizer." Ela estava em choque. Honor desceu do telhado e voltou para seu quarto. Ele estragou tudo.
"Acha que ele vai vir aqui?" Ela perguntou.
"Eu não sei, querida. Talvez ele demore um pouco para absorver tudo. Pride tem um problema com raiva, com emoções fortes. Ele deve estar uma confusão só." Era verdade. Pride não deveria ir vê-la um dia depois, o ideal era ele ter tempo de se controlar.
"Quando ele vir, você vem também?"
Honor rosnou. Não! Não! Ele não iria se meter nessa história.
"Não. Isso é algo que vocês devem resolver sozinhos."
"Eu queria ver você." Ela disse, Honor se sentou na cama, desanimado.
"Eu não posso ir. Quando você voltar nós nos vemos. Quando você e Pride se resolverem, vamos nos ver muito, você vai até esquecer que eu existo." Ele disse, a dor cortando seu peito.
"Eu posso te ligar?" Ela perguntou.
"Sim, mas se eu não atender, pode ser por que estou ocupado. Estamos reformando o hospital."
"Mesmo a noite?" Ela insistiu.
"Temos de terminar rápido, estou trabalhando muito." Honor era um péssimo mentiroso.
"Está bem. Eu gostei muito de falar com você. Foi tão fácil explicar tudo!"
"Ainda faltou algumas partes, como sua avó te achou?"
"Se quiser que eu conte, vai ter de me ligar. Ou atender o telefone quando eu ligar." Ela disse e Honor sentiu o sorriso na voz dela.
"Tenha força, fique firme e tente se perdoar." Ele disse e ia desligar quando ela disse:
"Obrigada, gatinho tímido." Honor desligou. Lily o chamava assim. Não era Lily no fim das contas.

FILHOTES DE VALIANT - PRIDEWhere stories live. Discover now