CAPÍTULO 26

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Gabriel examinou Rebbeca, olhando no fundo dos olhos azuis dela e vendo que mais uma vez, ele vencia a morte. Nada demais, agora. Jewel era outra história, não havia motivos para ela estar desacordada. Mas ali estava ela, o corpo funcionando, mas a mente em repouso.
Honest e Candid tinham ido, ele agradecia isso. Honest poderia machucá-lo a qualquer momento, Candid estava cada vez mais insuportável. Simple não deu as caras, mas daria e aí, sim seria um desafio.
"O que ela tem?" Dusky. Os ossos de Gabriel, se tivessem boca iriam gritar por misericórdia à simples presença dele ali.
"Eu não sei." Dusky tocou no rostinho imóvel de Jewel e suspirou.
"Eu não posso perdê-la. Eu não posso, Gabriel. Eu sei que você não teme a morte, você já está morto de milhares de formas, mas você persegue algo que o move, o conhecimento. Eu me entrego, você sabe que eu não sou como os outros. Eu me entrego, se ela viver e se ela não viver, a barganha perfeita. Eu me entrego e você dá tudo de si. Por ela, Gabriel. Por Jewel." Gabriel suspirou. Dusky era diferente, mas Gabriel não queria mais vencer nada. Ele tinha perdido e perdido feio.
"Eu não quero você. Eu não quero mais nada, Dusky. Eu finalmente cheguei num ponto em que nada mais me move. Leve-a para Michael. Ele entende dos processos mentais, muito mais que eu. E se não der certo, o mate. Ele trouxe tudo isso a vocês. Ele implantou Grace e Peter e toda essa porra começou." Gabriel se sentou ao lado de Jewel na cama. Ele não gostava dela. Ela era arrogante, melindrosa, irônica e maldosa. Nada da pureza de Sunny ou Smile Two. Mas ela era cativante. Quando pequena, ela não gostava de quase ninguém, ela gritava a plenos pulmões sabendo perfeitamente que machucava os ouvidos deles, os ouvidos de Bells.
"Eu não confio em Michael." É claro que não confiava. Seu irmão imbecil era o epítome da falta de honra. Mas ele venceu Gabriel e seu pai. Em silêncio. A vitória dele só ficou entre ele e Deus. E isso aparentemente bastou.
"Nem eu. Mas não posso fazer nada por ela." Gabriel disse.
"Posso tirá-la dessas coisas?" Dusky perguntou, Gabriel mesmo retirou os acessos.
"Honest está no hospital. Ele a deixará exatamente como estava aqui, até que Michael volte de Homeland."
Michael estava em Homeland, num apartamento, isolado, mas com alguma certa liberdade. Havia trabalho para ele em Homeland, afinal sempre há trabalho para um médico.
Dusky saiu carregando o corpinho de Jewel com a jóia que ela era para ele. Engraçado como um Nova Espécie burro como Bells deu um nome tão apropriado para ela.
E pensando em nomes...
"Não pode mesmo fazer nada?" Vengeance entrou no quarto. Todo mundo entrava ali e vestia os casacos que ficavam na entrada, menos ele. Não portava o quão frio estivesse a cabana, o filho da puta entrava lá e seus lábios ficavam até azuis, mas ele aguentava.
"Não." O bom de conversar com Vengeance era que ele não precisava de explicações, a conversa era sempre concisa.
"E Rebbeca?" Ele se aproximou dela, Gabriel viu que a mão dele, a que tocou o rosto de Rebbeca, tinha algumas manchas mais escuras das queimaduras elétricas que Vengeance desviou dela para ele. Tudo tão patético!
"Pode levá-la. Ela está só sedada agora." Ele acenou.
"Você se lembra do pai dela?" Vengeance riu, Gabriel também.
"Qual dos dois te mordeu?" Ele perguntou.
"O menor. O nome era Tomate." Gabriel respondeu.
"Você se lembra do nome de todos que te bateram?" Vengeance tocou na face de Rebbeca.
"Só dos que me surpreenderam, Vengeance." Ele frisou o nome do amigo. Vengeance e ele eram amigos, isso era um fato.
"Quem diria que ele acabaria sendo o primeiro a ter descendentes?" Vengeance disse.
"Há muita coisa perdida por aí, Ven."
Ele acenou, ele era o último que podia negar isso.
"Acha que podem aparecer mais filhotes? Ou clones?" Vengeance perguntou, seus olhos tristes.
"Você é a porra do vidente, não eu."
"É. E é por que sou a porra de um vidente, que estou aqui. Fale."
"Mercille era uma corporação gigante que sobrevivia mais as margens, Ven. Os cientistas que lá trabalhavam não eram mais que peões. Meu pai, Brenann, Bishop, Anderson. Todos peões. Já a vadia da Samantha! Ela fazia parte do topo da pirâmide. O cientista 'responsável' pelos Novas Espécies que sumiu, acha mesmo que ele sumiu?" Gabriel riu.
"Como faço para detê-la?" Gabriel sorriu. O velho Vengeance de sempre, acreditando que podia salvar a todos.
"Ela está com Adam e Noah." Gabriel o lembrou. Vengeance acenou.
"Você não tem mais nada a conquistar, Gabriel. Mas eu sei que uma coisa dessas ainda o atrai. Vencer um inimigo." Vengeance disse.
Gabriel sorriu. Vengeance sabia quais cordões apertar.
"Traga Hoffman." Vengeance pegou Rebbeca no colo e saiu. Gabriel foi a cozinha, havia um pouco de carne lá, ele começou a preparar. O cheiro dos alimentos ainda o atraía. Era como a maldição de Tântalo, com a diferença de que a comida não fugia, a comida continuava ali, cheirosa e brilhante, mas ele sabia que se ingerida fora dos dias certos, ele colocaria tudo para fora.
Ele deixou o fogo baixo para manter a carne aquecida e começou a fazer uma limonada. Limões eram algo que quando lhe era permitido ingerir, ele aproveitava. Traziam lembranças da infância.
"Carne? Obrigado." Simple disse. Gabriel suspirou. Qualquer um menos ele. Simple pegou a panela que ele tinha deixado em fogo baixo, aquecendo e levou para a mesa. Ele comeu tudo, tomou toda a limonada e soltou um belo arroto depois.
"Ela já vêm." Ele disse.
"Você sabia?" Gabriel perguntou. Ele não respondeu, afinal ele também era parte disso. Simple era uma praga, um mal totalmente desnecessário. Mas como uma barata era muito difícil de ignorar e pior ainda de exterminar.
"Sabe, eu sempre admirei o modo como você manteve seus irmãos a raia. Deu a eles uma suposta liderança e ainda tirou o melhor deles, quer dizer, o melhor de Honest, sem precisar brigar por nada, sem contendas, sem morte." Gabriel disse.
"Não haveria morte." Ele disse.
"Se você diz..." Haveria sim. Havia uma veia pulsante neles, violenta e tão sedenta por sangue quanto por salvação. Ninguém se dedica tanto às outras pessoas se não tiver a plena consciência do quanto se é mal. E isso é normal, seres humanos eram assim também, apenas não se davam conta. Simple e seus irmãos por seu intelecto superior descobriram a maldade intrínseca neles muito cedo. Gabriel tinha isso em comum com eles.
"Meu tio sabe?" Gabriel sorriu.
"Você pode salvá-la?" Simple lavou a panela e começou limpar tudo. A ordenação dos gênios. Tudo deveria estar em seu lugar.
"Por que eu tentaria? Diga-me Simple. Por que eu faria alguma coisa. Eu estou aqui refém das minhas escolhas, impedido de morrer, impedido de viver. Por que eu me importaria?"
"Você enganou meu tio, então?" Simple abriu a geladeira e recomeçou o processo de temperar, ligar o fogo, e jogar a carne na frigideira. O cheiro encheu novamente as narinas de Gabriel.
"Seu tio precisa de esperança, Simple. Eu o amo, não posso deixar que ele perca isso. Você entende, não é?"
"Vença, e eu mato você."
Gabriel sorriu. Enfim uma barganha que valia a pena. Simple saiu deixando tudo exatamente como ele tinha deixado, a panela aquecendo, o bife pronto.
A porta se abriu, ela entrou, Gabriel se sentou e a observou comer.
"Está bom, mamãe?"


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