04 - Vulnerável

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ʜᴏᴘᴇ ғᴇʀʀᴇɪʀᴀ

Por ser nosso primeiro dia aqui no centro de treinamento, paramos para conhecer um pouco do lugar e fomos chamados para assistirmos o treino do dia. Nos aproximamos da arquibancada. Ao sentar e observar o que está em minha frente, sinto uma grande satisfação.

A sensação de estar alcançando algo nessa proporção é incrível. Juntando alguns fatos, o medo de acabar com a carreira de algum jogador e inevitável. Minha função é apenas cuidar de lesões simples, mas não posso ser descuidada. Um único descuido pode acabar com o sonho e a carreira de alguém.

Acredito que o trabalho não irá trazer nenhum problema, tirando os que tenho no momento. Minha falta de conhecimento sobre meu novo local de trabalho pode me complicar de várias formas diferentes. Não sei quais são os jogadores do clube e não tenho um único entendimento sobre futebol.

O único que "conheço" é o Raphinha. Enzo tirou uma foto com ele na semana passada e fez questão de nos mostrar diversas vezes, deixando Nathy impaciente. Pensar nos outros dois jogadores que vi há alguns minutos, faz tudo ser ainda mais frustrante. É provável que se alguém ficasse sabendo que não os conhecidos, iriam achar que é mentira.

Pedri foi atencioso e super gentil comigo. Estava disposto a ajudar, mesmo arriscando se atrasar para o treino. Sua atitude é admirável e não seria tomada por qualquer pessoa. Ninguém iria querer arrumar um problema no trabalho, apenas para ajudar uma desconhecida. Mas ele sim, e isso é algo que não faz o menor sentido.

Presa em meus pensamentos, recordo que Raphinha e os outros estavam apressados. Eles tinham um compromisso na loja do Barça. Seria com alguém que obviamente não conheço, mas que tem um nome diferente. O nome Gavira passa a ecoar em minha mente.

Mas daí eu me pergunto: quem é Gavira?

Sou dominada por uma grande vontade de chorar e me encolho involuntariamente. Esfrego o nariz, levanto a cabeça e respiro fundo, tentando segurar as lágrimas. Estou diante do meu supervisor, dos outros estagiários e dos jogadores que terei que prestar os meus serviços, quando assim for necessário.

Estou com a cabeça baixa, mas me sinto observada. Devem pensar que estou "ignorando" o treino de alguma forma. Preciso evitar que eles continuem pensando isso. Não posso enfrentar nenhum problema, principalmente no meu primeiro dia. Deixando os pensamentos de lado, visualizar o que está acontecendo. Mesmo sem entender nada sobre o assunto, faço o possível para entrar na conversa.

Chego em casa no começo da noite, decidida a fazer algumas pesquisas. Passo uma semana acordando cedo e indo dormir tarde, apenas para acompanhar aos jogos pela televisão. Mesmo sem querer incomodar Nathy, sei que preciso de ajuda. Consegui juntar algumas informações, mas só fiz pesquisas básicas.

— Enzo chega daqui a pouco. Chegou o momento dele de brilhar — Nathy informa.

— Para a felicidade dele, vamos aprender um pouco sobre futebol. — Sento-me no sofá.

— Quer passar o final de semana fora? Quero me distrair um pouco. — Ela deita no meu colo.

— Algum problema? — pergunto.

— Só estou exausta com o trabalho e faculdade. Comentei sobre isso com Enzo. Ele me chamou para viajar — Nathy diz.

— Prefiro ficar em casa — digo. Nathy levanta na mesma hora. — Pode ir, amiga. Não precisa me incluir em tudo.

— Vamos viajar cedo. Você também vai. 

Opto por não debater.

— Como você preferir — falo e ligo a televisão. — Mas vou de má vontade.

— Prometo que vai ser divertido — diz ela.

— Nunca ouvi dizer que tocha olímpica se diverte — brinco.

— Que tocha olímpica o quê. Você sabe que nunca te deixamos desconfortável quando saímos juntos. Pelo menos eu acredito que não. Ou será que já? — pergunta.

— Nunca — respondo, apressada. — Quero que vocês casem e me adotem.

— Então você vai passar o final de semana conosco? — pergunta, esperançosa.

— Vou sim.

Ficamos sozinhas até Enzo chegar para nos ajudar com as pesquisas. Ele nos informa quais são os jogadores em alta, algumas curiosidades do clube e quem eram os homens do outro dia. Apenas com as descrições que dei, ele soube de imediato de quem estou falando. Espero ele me mostra algumas fotos e confirmo serem os homens que vi no centro de treinamento.

Começamos pelo Robert Lewandowski. Ele foi o primeiro a me responder. A sugestão de ficarmos esperando até um jogador sair do vestiário foi dele.

Além dele, também tinha Jordi Alba. Ele não falou muito, mas também estava presente no dia em questão. Mesmo com eles sendo famosos, não conhecia nenhum dos dois. Mas isso foi antes e já ficou no passado. Raphinha não é um completo desconhecido, mas também pesquisamos um pouco sobre ele.

Encerramos as pesquisas e focamos nos jogos. Minha rotina está puxada, mas saber com quem estou trabalhando deixa o trabalho menos difícil. Cheguei a ver Pedri mais duas vezes: primeiro na frente do CT e depois durante um treino. O que chamou minha atenção foi o sorriso e a tranquilidade que ele aparenta ter.

Hoje faz duas semanas que comecei meu estágio. Não tenho tanto contado com o pessoal, por eles terem diversos compromissos, inclusive fora da cidade. Quando o centro de treinamento está pouco movimentado tenho bastante tempo livre. Só voltei a conversar com alguns jogadores em duas ocasiões. Mas para minha sorte, foram encontros rápidos.

Aproveito que estou no meu horário de almoço, saio para a área externa e ligo para minha mãe. A ligação é feita com o intuito de diminuir a saudade. Conto um pouco da minha rotina e recebo notícias de casa. Escuto a voz do meu pai e sei que ele acabou de chegar. Fico calada, mas entro em alerta.

Meu silêncio não faz diferença, porque de alguma forma ele sabe que minha mãe está falando comigo. Escuto alguns xingamentos e desligo a ligação com um nó na garganta. O que poderia ser um dia feliz, acaba sendo estragado por completo.

Procuro um lugar que considero ser menos visível, fico sozinha com meus pensamentos e me permito desmoronar. Minha vista fica um pouco embaçada. Sinto o ar deixando os meus pulmões e passo a respirar com dificuldade. Os xingamentos estão ecoando em minha mente, me trazendo a sensação de ser a pior pessoa do mundo.

— Era isso que me faltava — resmungo, entre lágrimas.

Tudo o que ignorei por três anos está voltando de uma vez. Queria deixar tudo para trás, inclusive as lembranças dolorosas. Ponho a cabeça entre os joelhos e fico pensativa. Iria ouvir esses xingamentos mais cedo ou mais tarde, mas não fui capaz de me preparar para esse momento.

Durante a nossa infância ficamos imaginando como seria a vida adulta e desejamos crescer o mais rápido possível. O que nunca conseguimos entender é que estávamos na melhor fase da nossa vida. Nossa única preocupação era com os nossos brinquedos, se poderíamos brincar na casa de algum amigo ou qual o próximo desenho que iríamos assistir.

Se máquinas do tempo existissem, voltaria ao passado e faria tudo diferente. Teria o colo da minha mãe. E sem dúvidas, meu pai não iria me odiar tanto. Nada disso é possível, entretanto tenho a opção de ir para o meu apartamento, chorar sem medo de ser vista e ter o apoio da minha amiga, que me entende mais que ninguém.

Sinto as lágrimas caindo, escuto alguns passos ficando cada vez mais próximos e abaixo a cabeça um pouco. Uma mão leve começa a alisar meu cabelo, me trazendo um tipo de conforto.

Acredito que a necessidade de ser consolada está tão gritante, que não me sinto incomodada com alguém mexendo no meu cabelo. Estão presenciando minha vulnerabilidade, ouvindo os meus soluços e me achando uma louca, mas não me importo com nada disso. Estou recebendo ajuda de um desconhecido, mas isso é apenas um detalhe.

𝐎 𝐀𝐌𝐎𝐑 𝐀𝐂𝐎𝐍𝐓𝐄𝐂𝐄 - ᴘᴇᴅʀɪ ɢᴏɴᴢᴀʟᴇᴢOnde as histórias ganham vida. Descobre agora