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-Muito prazer - respondi timidamente.

- Ficamos felizes por você estar aqui, Camila- disse Gemma.

- Obrigada, também estou - falei, sorrindo um pouco.

- Quer ver seu quarto? - perguntou.

- Sim - respondi baixinho.

Ela pegou minha mão, e nós três subimos juntos os degraus. No final da escada, havia um corredor com seis portas, andamos até o final dele e subimos mais um lance, dessa vez menor, que dava acesso a uma única porta. Ao abri-la, entramos no quarto mais lindo que eu já tinha visto, as paredes estavam pintadas num tom de lilás, e os móveis de linhas simples e clássicas eram brancos e faziam um contraste bonito com a suavidade da cor. Na cama, um aconchegante edredom estampado com lindas flores em cores frias combinava com o ambiente, tornando-o muito feminino. Havia também um guarda-roupa, uma estante com alguns livros e uma mesa com computador. Não conseguia acreditar que tudo aquilo era só para mim e fiquei muda de espanto.

- O que achou? - perguntou Gemma, animada.

Como eu continuava calada, ela interpretou mal e franziu a testa.

- Você não gostou?

Arregalei os olhos.

- Não, adorei, é muito lindo! Isso tudo é só para mim?

- Claro que sim, mamãe e papai capricharam pensando em você - Gemma respondeu. - Experimente sua cama, veja se gosta do colchão.

Sentei na minha nova cama e nem acreditei que estava ali com todos eles. As meninas pareciam muito simpáticas. Achei Gemma muito bonita, alta, magra; com seu cabelo longo e rosto de traços delicados, chamava logo a atenção. Até esse momento, Harry estava parado, encostado na porta, e ainda não tinha falado nada, só me observava sério. Então, ele se aproximou de repente, esticou a mão e inesperadamente puxou uma mecha do meu cabelo.

- Ai! - reclamei, me afastando dele.

- Harry, o que é isso? - gritou Gemma, zangada.

- Eu só queria saber se são de verdade - ele respondeu.

- De verdade, como assim? - perguntou.

- O cabelo dela é tão comprido, cheio e cacheado que não parece de verdade. Queria ver se era uma peruca - ele comentou simplesmente.

Naquele momento, eu quis sumir, mas só baixei a cabeça, morrendo de vergonha.

- Harry, deixa de ser burro, não está vendo que é de verdade? Repara, não, Camila, mas o Harry é meio leso, age primeiro e pergunta depois - disse Gemma, e virando-se novamente o repreendeu - Pede desculpas - ordenou, zangada.

— Desculpa — ele murmurou, mal-humorado.

— Tudo bem — respondi.

Meus olhos estavam cheios de lágrimas reprimidas, e eu estava muito triste apesar de imaginar que ele provavelmente já não gostasse de mim antes mesmo de minha chegada. Nesse momento, chegaram nossos pais, perguntando se estava tudo bem, mas quando eles olharam meus olhos logo perguntaram o que tinha acontecido, e a minhas nova irmã não hesitou em contar. Minha mãe ficou uma fera com o Harry, e este foi o início de um padrão que se repetiria por toda a minha infância: eu tentando me aproximar do Harry, ele implicando comigo o tempo todo, minha mãe brigando com ele e meu pai tentando acalmar todo mundo.

Mais tarde, à noite, sozinha em meu quarto, deitada na minha cama, pensei em como minha vida havia mudado em pouco mais de um ano. Lembrei-me com carinho dos meus pais verdadeiros, filhos de imigrantes brasileiros, motivo pelo qual cresci aprendendo a falar as duas línguas, português e inglês, mesmo tendo nascido em Londres. O falecimento deles num acidente de carro, cerca de um ano atrás, transformou completamente minha realidade. Senti-me tão sozinha e amedrontada ao saber da tragédia, vi-me subitamente rodeada de estranhos que me diziam coisas incompreensíveis, e teria que abandonar minha casa, meu quarto, meu refúgio, além de mudar de escola, ficando longe dos meus amigos, restando somente as lembranças de uma infância cheia de amor e carinho.

Minha família era pequena e, infelizmente, por não termos parentes conhecidos, fui encaminhada para um orfanato, onde fiquei até hoje. Olhei para o teto, todas as luzes apagadas, mas nunca tive medo de escuro; sentia-me à vontade na escuridão, achava relaxante, nunca fui aquele tipo de criança que na hora de dormir pede à mãe para deixar o abajur ligado ou coisa parecida. A luz da rua que entrava pela janela iluminava o suficiente para que eu pudesse observar ao redor. Realmente tinha adorado aquele quarto, não só por perceber que havia sido preparado detalhadamente para minha chegada, mas também por finalmente poder ter um pouco de privacidade, coisa de que havia sentido muita falta, pois num lugar como um orfanato, onde tudo era partilhado por todos, privacidade era luxo inexistente.

uncontrollably fond // hs जहाँ कहानियाँ रहती हैं। अभी खोजें