As Coisas

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       Ao se armar a manhã, se ela descesse um pouco além da superfície, veria que há coisas que talvez nunca mudam: a água na chaleira; a prisão de ventre; a cunhada mole e reclamando suas dores pela casa; outras mil chateações; o enfado dos corpos que subitamente poder-se-iam transformar em coisas outras; a tonalidade daquela canção ao piano,

       Os espelhos trincados mostrando sempre reflexos outros, umas rugas já, a boca descendo. As malas para partidas de avião, as janelas abertas ou fechadas, os automóveis parados de pneus murchos; os baldes, os carros de construção, o frango cru na pia, e outras dezenas de coisas, enfim, que não desejo descrever ou instruir, mas que, de tão fixas, mal tinham tempo de enjoá-la, pois se transformavam em outras versões das mesmas: mantendo seu centro indivisível e nunca crescendo ou diminuindo um milímetro a mais ou menos além de seus bordos.

Entre Sombras e FrutosWhere stories live. Discover now