O Nunca

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       Era um vazio tão grande o que ele sentia. Um vazio sem reconciliação possível. Ou tão efêmero que, se esta lhe fosse dada, por alguém que mal conhecia --- jamais conheceria bastante a si mesmo ou qualquer pessoa --- logo se transformaria em outra coisa, dali a dois dias imprevisíveis, talvez --- até cair nele de novo, no vazio. Um vazio de não se ter o que o satisfazia, de não ter a certeza do que o suplementaria, preencheria --- se isto houvesse. Um vazio de uma voz ecoada numa viela, num beco, e de não se ter a resposta de uma pessoa humana.

       De dizer algo a ninguém e que já começava a se dissociar, distanciar do nexo. Um vazio de partida, de um tal desapego. De não pertencer ao mundo, às outras pessoas, a si mesmo. De desconstruir o que ele chamava de "relacionamento", e que via não ser nada do que pensava --- ser inexistente. Ser vazio.

       Um vazio de se ter ainda algum objetivo em meio à ruína e ao sangue e à destruição de uma guerra tola, estúpida e sem sentido consigo mesmo. De se ter esperança --- esperança?? se o arroz e o feijão mal estavam nos pratos se estragando e a conta bancária de seus sonhos contemporâneos, despencados, dissipava-se ou era rapada, saqueada, e ele não se importava mais com isso.

       E, como disse certonovelista, antiquíssimo, a ele próprio que não queria viver de velharias, umvazio e uma ausência mais do que solidão, faiscante, radiosa, plena, de não sedá-la a ninguém --- pois que nem se todos os mortos do mundo ressuscitassem(mesmo ele), não lhe fariam companhia. Assim ele pensava deslocado de si,final, atirado de dorso na cama sem conseguir dormir. Uma cama que não era a dele,era artificial, criada por não se sabe quem --- ele sabia, por Alguém --- peloIrrepresentável, por Ninguém. Pelo Deus...    

Entre Sombras e FrutosWhere stories live. Discover now