A Lição

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       O colega porra-louca se matou. Porras-loucas costumam acabar depressivos. Então, Petrônio rezava, rezava para que o outro pudesse, pela força do maior, sua onipotência, dar-lhe algum bônus. Mas o teria? Petrônio não saberia dizer.

       Da história do porra-louca soube que buscara um fogo tão grande e tão nas alturas híbridas daquelas montanhas, que não suportou-a. Cegou. Queimou-se por inteiro por aquela luz. Sim, teria algum bônus, cismou Petrônio, Fausto de Goethe ou bem poderia ser o gigante Prometeu acometido pela trágica hybris, que vivia entre tragos de cerveja e vodca, livros e mais livros dos mais variados assuntos, todos misturados caoticamente, de estórias aos poetas mal lidos e percebidos, de romances modernos até os filósofos, os biólogos, os historiadores, astrofísicos, liberais, conservadores...

       Teria ele alguma consolação, sim, se os livros acabaram por lhe roubar muito do oxigênio e da chama, quanto mais chamas ele buscava, se o cipoal desgovernado, de aprendiz de feiticeiro, foi crescendo seus galhos como tentáculos, até lhe sufocarem, penetrá-lo pelos ouvidos, saírem pela boca, inocularem-lhe o veneno e o paparem. A criatura de vida própria, insuflada por algum anjo caído, voltando-se contra o criador...

       Teria, sim, um atenuante, o miserável, o incauto, o inconsequente, ingênuo, a criancinha pela qual se chora. Então Petrônio rezava, rezava o padre-nosso mais uma vez, sem saber para quem, nesses casos, o primeiro que lhe ocorria, e que esperava, fosse o último.

       Revoltado Petrônio e sentado o amigo nalgum dia no banco da escola primária, talvez recebesse a lição dura (o ego, o exagero, a cobiça, as paixões desmedidas, o aprender a ler e a interpretar), para não fazer mais, dali em diante, o que havia feito, e para o qual, veria então, não haveria possibilidade de conserto, em termos de se voltar no tempo.

Entre Sombras e FrutosWhere stories live. Discover now