O Mundo de Lá

10 0 0
                                    


       Dalet sabia que, por detrás daquela porta, que deveria abrir, havia um mundo a ser inaugurado. Ele, diante da porta de altos-relevos egípcios, pesados, maciços e de infinitas pedrarias, rubis, safiras, cristais, esmeraldas, sabia que deveria rompê-la com avidez, vontade, ternura que tanto lhe abundavam.

       Do lado de cá havia apenas ele, sua vida, seu mundo, enfim, e zumbis que voejavam, iam e vinham planando sobre o chão atormentado e infernal sem chegarem a lugar algum. Do lado de cá havia também somente o ócio e a confusão que quase haviam matado Dalet de inanição. Havia, afinal, um mundo de pessoas fracassadas e violentas, violentadas, amores frustrados, um mundo de pessoas e amores doentes.

       Porém, ao tocar levemente a maçaneta de prata, as duas folhas largas sob a luneta ovalada e boba espiando logo se espaçavam. E, diante dele, havia uma extensa, larga ponte de corrimões de areia cravejados de nácar. E, sob a ponte que agora, em passos lentos, atravessava, contemplando a paisagem calmamente, levando sua dor, ganhando a força de seus próprios passos, não havia nada --- nenhum abismo, nenhum rio, nenhuma floresta ou deserto.

       E ao perpassá-la inteira, custosamente, após muito tempo, um mundo outro, à beira do precipício, um mundo de fartas luzes e urzes de luzes e campinas de ouro branco, fantasias, sonhos alados e silentes, o esperavam, para que nele, audaz, entrasse, eternamente perdido de si, eternamente esquecido.

       Deixando-se encantar, penetrar cada vez mais ao fundo daquela mágica floresta diáfana. A qual, ao fundo, pois que os espaços eram uma ilusão, assim como o tempo, era, ao mesmo tempo, ele mesmo, a ponte, o lado de cá, e o lado de lá, para onde deveria voltar, quando quisesse; transitando entre os dois mundos, trazendo de um ao outro um pouco daquilo que eram raios que, vezenquando, explodiam e se reencontravam, na união perfeita, terceira, indestrutível, indescritível, de gozo e júbilo, êxtase e imaterialidade.

Entre Sombras e FrutosWhere stories live. Discover now