Quebra de Dinâmica

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       Quero menos. O mínimo. Menos luz entrando pela fresta desta janela. A fresta da janela é estreita e a janela é ocre. Ou será a janela bege? Não faço distinção entre essas cores, são duas, mas me lembro que tenho a vista ruim. Talvez seja uma mistura de ambas ou um tom entre outros, entre ambas. Um tom entre duas cores quaisquer. Talvez.

       A luz que entra pela janela é mínima no escuro onde estou sentado. Estou sentado sobre a cadeira e ela é dura. A cadeira é dura e de madeira e tem seis pés. Mas isto não importa, ou não importa muito mesmo. Entra a luz pela janela e é mínima, mas nela diviso o guarda-roupa, a cômoda, o altar onde está a santa e onde estão meus livros que leio com óculos para ver de perto e meus discos de música orquestral, e minha cama. Há tanto tempo não leio meus livros e ouço meus discos... Tomam poeira sobre a cômoda que eu mal limpo. Na verdade me enjoei deles todos.

       A luz que entra deixa que eu veja, sim! Que o guarda-roupa é alto e sólido e que tem três portas. A luz permite que sinta pelos olhos os felpos altos do tapete. Parecem, eu imagino, os pêlos de um rusk siberiano, como Georg, que me fez companhia por treze anos antes de morrer. Enterrei-o tristemente no cemitério de cachorros que improvisei no meu bairro de poucas casas, em um canteiro de avenida.

       A luz que entra permite que note os quatro pés e quatro divisões da estante onde estão espalhados alguns objetos que mal tenho tido vontade de notar. São objetos velhos, comprados por mim, principalmente carrinhos de brinquedo em miniatura e perfumes que gosto de passar por minha pele quente para ficar em casa. Gosto de me perfumar e me perfumo exclusivamente para mim mesmo. Sim, tenho minhas vaidades nunca reveladas a ninguém.

       Um dos pés da estante está descolado da parte de baixo, o que faz com que ela tombe para o lado esquerdo. Eu morro de preguiça de voltar a colá-lo. Queria pedir para alguém me ajudar a fazê-lo, mas, disse também, tenho preguiça e vivo postergando. Me sinto vexado por isso e rio. O pé direito da cômoda se partiu no encaixe com a base. Mas quero o mínimo, quero o escasso e o silêncio imperturbável deste quarto onde estou sentado dolorosamente sobre a cadeira duríssima que me dói os ossos do cóccix. Mas a cadeira é, para uma minúscula alegria para mim, muito limpa e lisa; bem lixada e sem pátina. Perdeu suas cores, percebi, faz tempo.

       Por isso não falarei da cômoda nem da cama onde por muitas vezes me deito, principalmente para olhar nesta meia-luz os raios de sol embaciados pela visão, os outros elementos, mobílias do quarto.

       Agora estou sentado e imóvel, estoico, sobre a cadeira e a luz que desejo, no grau certo pela fresta que abri da janela e pelo meu glaucoma, menos, sempre menos como estou acostumado, a um tempo, mostra-me o pouco, o pouco que eu quero ver. Ainda vejo nesta tarde, às 15:00, de acordo com o bater do relógio de badalos, os móveis vagamente, nebulosamente, que o sol permite que eu veja. Vejo-os inteiramente, surpresa minha, em seus contornos imprecisos, mesmo à essa luz média. Estará minha visão mais eficiente? Oh, que alegria! Às vezes o glaucoma oscila em melhoras e isso é bom. Mas duram pouco estas melhoras.

       Ainda vejo, às cinco e meia da tarde, antes que me levante da cadeira com dores nas costas masoquistas (meu ortopedista me disse para manter sempre que possível a coluna ereta para minha escoliose, mas acredito que estou exagerando --- vergonhazinha) --- antes que me levante da cadeira e vá olhando outros espaços deste lugar. Pois ali há outros lugares, há outros cômodos pela casa, outros corredores escuros... e outros móveis a serem vistos. Mas, àquela hora mesmo, como todos os dias a visão turva, o que acho interessante, deixa a mim um baço branco a minha frente e uns rasgos de escuridão, mínimos. E o mínimo é o que quero agora, pois já me resignei, o mínimo necessário a se ver é o que peço já, por favor, reconciliado com minha deficiência.

Entre Sombras e FrutosWhere stories live. Discover now