A "Flamazinha" Dele

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       Por que Marister precisaria "estar bem"? perguntava-se. Não necessariamente. Se não fosse amar e produzir, amar e produzir, o que restaria? A destruição? Não, certamente. Seria a procrastinação. Sim, naquele dia, naquela hora, não sentia-se bem. Ficavam as emoções profundas, umas rolando atrás das outras, até que, se chegasse à principal, à fonte elétrica, ao cerne da cebola delas... veria que não eram tão importantes assim. Que a vida era também feita, não de incongruências, dualidades, contradições, mas de bobagens...

       Como era minúscula a vida de Marister, RG nº 107456-00, moradora da Rua do Ipê Roxo, nº 497, num subúrbio qualquer de São Paulo, Jardim não sei dos quais. Era mais uma ela, propriamente dita, no meio da multidão, no meio do mundo, dos bichos e das plantas de algum agreste, chapadão ou da Floresta Amazônica. Única com tudo o mais.

       Mas por hora não, não estava bem. Talvez durasse minutos, talvez horas, talvez anos, as águas de suas emoções indo e refluindo. Que diferença fazia para um mundo, ela sabia, profeticamente sabia, cheio de bombas e tanques de guerra, e que passaria por uma grande turbulência? Em meio a tanto egoísmo humano, a tanto materialismo unilateral, separatividades, preconceitos, ignorância, indiferença, o prato da balança certamente se desequilibrava... E o que adviria não seria exatamente tranquilo, ela considerava... Era como a perda de um valor, de seus valores, suas estruturas, seus conceitos, suas ilusões --- o fim delas. Era como a perda dela mesma, Marister, de seu ego. E, afinal de contas, o mundo passaria, continuaria mesmo sem ela --- dela prescindia para existir... Marister, nessas horas, não era mais ela mesma, perturbada, portadora do RG nº 107456-00 e registro em cartório, ao qual ainda, sôfrega, tentava se agarrar, tentava com urgência apalpar. Não era ela mesma, com suas legítimas ambições de comprar um carro e um apartamento e viver economicamente independente de seus pais. Marister era o mundo.

       E seus pais, por exemplo, não possuíam ciência de nada daquilo. Já tentara de vários modos explicar-lhes sobre este fim, esta fatídica e estupenda transformação de tudo o que até hoje fora sólido, material. Mas eles não entendiam, era difícil concluir aquilo em um conceito fechadinho. Mas eles não precisariam "compreender"; antes, rejeitavam, diziam que ela estava era doida.

       Mas ela sabia, acreditava até, aquilo não era achismo, não era misticismo --- era uma ciência possível de se provar em algum dia em algum laboratório, com certas medidas. Uma ciência à qual, por caminhantes e detalhados estudos, se chegaria. Não, ela não era e não estaria jamais só!

       Mas, por hora, apenas, sentava-se na cadeira de balanço do quintal da casa ajardinada da família, sem ter o que fazer, para onde ir. Por horas, não estando bem, lá ficaria, por horas e horas, postergando, postergando...

       Até que, não suportando mais estar consigo mesma e com sua mente pesada, grave, partisse para fazer alguma coisa arrumada, projetada ou não, qualquer coisa que valesse ainda! "Desde que fosse boa!", ela iniciava então o caminho, com mais equilíbrio, mais temperança, que se abria para ela.

Entre Sombras e FrutosWhere stories live. Discover now