Corpo Abatido

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       Ronaldo esperava. Não Deolinda, o sexo, o poder. Ele esperava apenas pelo dia. Sem contar horas. Seriam sete ou nove horas? Seriam as horas? De manha, de tarde? Ou de noite? Ele esperava pelo dia, o dia. O dia todo? Ou metade, ou a terça parte, ou parte do dia. Esperava. Indo do computador onde via anúncios psicodélicos e de néons e conversas superficiais, banais, que nada diziam, cumprimentos o dia todo às pessoas, aos noticiários da TV. Eram cumprimentos fingidos? Eram sinceros cumprimentos, da boca não vista pela câmera, o meio sorriso amarelo. Não seria falso? Eram pessoas o que via e com quem digitava pelo teclado, ou hologramas, imagens de pessoas inexistentes apenas? Pessoas. Definitivamente, não. E ele, existia, era uma pessoa, não somente nessas horas, mas aos poucos se tornando: ...?

       Deveria gostar das pessoas como elas realmente eram. Mas que sabia ele sobre as pessoas e como realmente eram? Nada. Eram pessoas com quem conversava, além de ver as letras rebrilhantes dos anúncios e propagandas. Meu Deus, ele pensou, como seriam de fato as pessoas --- existiriam ainda?

       Ronaldo esperava. Do computador à TV e da TV ao computador esperava até o começo do dia. Ou o meio, o final do dia. Também não saberia dizer ao certo. Pensar ao certo. Diante da TV mais anúncios, propagandas, jornalismo político, econômico, policial. Com a TV não conversava, esperava Ronaldo. Ronaldo. Não Deolinda. Com a TV apenas ouvia pessoas falarem. Eram pessoas que falavam? Falavam... o quê? falavam? Ronaldo escutava? Esperava. E da TV, dos anúncios e programas policiais, depois, à novela. E da TV ao computador atravessando a sala ele esperava. Esperava até quando? A noite ou o dia? O meio-dia, o término do dia, o início. O sol adentrasse com alguma luz. Sim, era uma luz fraca. Entrava. Era de manhã. Ou seria de noite? O sol entrava, conversas e anúncios se misturavam.

       Gente. Deolinda não, o sexo. Esperava, esperava até o final daquilo. Aquilo era uma mistura de ruídos e visões baças, as letras, as vozes na TV, no computador. Até sair daquela mistura, daquela espera e ir ao encontro de trabalho. Trabalhava? Organizar a lista de clientes a qual se acrescia mais um nome. Nome de gente. Esperava pelo trabalho, até quando.

       Até onde. Desde que saía de casa, da TV para o computador, do computador para a TV. Trabalhava? Esperava.

       O quê? pessoas e anúncios e letreiros se embaralhavam em seus olhos, em seus ouvidos. Pessoas e trabalhos e mais pessoas que punha no sol, no rol de clientes, da TV para: ... Pessoas? Ronaldo chamou a si mesmo pelo pensamento (ou fora em voz alta?), em tempo. Chamou-se falando consigo mesmo: --- Ronaldo. Não esperava mais nada, vencido, miserável.

Entre Sombras e FrutosWhere stories live. Discover now