Ah, Juventude

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       Manhã de sol na baía de Guanabara. Manhã de domingo e Juliana na praia não estaria, lotada de guarda-sóis brancos, listrados de preto e vermelho, com bolinhas verdes. Tanta gente àquela hora, ele via de longe, de seu veleiro no alto-mar, devia desbravar lonjuras maiores do mar, seu recorde. De longe podia entrever mulheres feias, gordas e de varizes, em seus biquínis e maiôs, jovens e velhas, homens identicamente idosos e pelancudos com suas sungas curtas.

       Juliana deveria estar na feira de Ipanema, enfeitando-se, provando os colares de contas grandes e conchas, as presilhas para os cabelos lisos e longos, as batas, os brincos de argolas de bijuteria, as saias frisadas em hippie style. Mas não estaria nem na orla do calçadão nem na praia àquela hora de sol esbraseante.

       André então olhou para o alto, para o céu que, àquela hora da manhã, era de um azul muito ofuscante e esparso de muitas nuvens brancas, evaporadas, sumindo-se na imensidão. Preferiu então deixar o barco e mergulhar na água salina para se refrescar.

       De um pulo caiu com as mãos em ponta aguda rasgando a água tão imensa, incomensurável. E, de um só fôlego, penetrou, afundou, deu braçadas largas como se fosse uma grande truta, uma sirena, ganhando mais e mais espaços daquela profundeza. Até que, mirando algas turvas, cintilações dos últimos raios violetas de sol sobre dorsos de outros peixes de brilho efêmero, não suportando mais a ausência de oxigênio, querendo mais e mais estar ali em meio a ela, sob ela, envolvido e contido totalmente seu corpo nela --- seu recorde ---, fraco, retornou lento, muito lento para a superfície da Terra. Empunhou os braços fortes por sobre a proa e ergueu-se de uma só vez, vencedor, com os braços fortes, até o interior do barco.

       As velas devolveram-no num espanto à praia apinhada de gente, aos milhares daquela cidade imensa. Mas em nenhuma delas e deles estava Juliana, ele sabia. Deveria estar, supunha, naquele instante, no calçadão de Ipanema, se enleando, sequer pensando nele. Foi para o cais da orla desta maneira e lá deixou ancorado o barco, no raso do mar de pouca correnteza.

       Mas, ao fim da tarde, o sol deixando marcas violentas de púrpura naquele céu a se perder de vista, lá estaria ela, mais enfeitada, porém sem maquiagem, da qual prescindia em sua tez de tamanha e deslumbrante naturalidade, centenas de promessas de futuro. Ali, na barraca da orla, tomariam água de coco e rum, coisas de ciganas e piratas, marinheiro de pernas fortes e rijas, e palrariam baixinho, namoricariam, vendo a bola roxa mergulhar de vez no oceano como uma brasa que se apagasse, uma aspirina dissolvida.

       Depois, no meio da noite, após o programa de uma festa jubilosa, gloriosa, excitados nas pontas túmidas, vermelhas, carnosas deles, lambuzados, líquidos, adocicados, iriam embora, cada qual para a casa de seus pais...

       Fim de semana que vem, ele sabia, teria, por conta registrada na tabela de estudante universitário que era, friamente, sem o menor sinal de contestação ou revolta, de dividi-la com o amigo Paulo, o Magrão; de pernas tão finas e menos fortes do que as dele, porém com belos olhos, delicados, de traços oblíquos e profundos, de lábios espessos e nariz um tanto arrebitado, finíssimo, pequeno. Como ele, pensava em abundante luxo e fineza --- Magrão, igualmente enamorado da vida --- André sonhava, sonhava.

Entre Sombras e FrutosWhere stories live. Discover now