O Livre Amor

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       Para Edgar Freitas Alvez um largo futuro se abria. Se desse os passos certos, veria como andaria bem e longe, longe de tudo o que vinha aborrecendo-o desde jovem.

       Pois, para ele, o amor era algo de suma importância. E sempre valeria a pena amar, uma ou outra, um ou outro, tantas e tantos que deixara, tantos que o deixaram, não importava mais como e nem porque. Nunca se sentira traído ou preterido, as possibilidades eram muitas, inesgotáveis fontes a borbulharem, marulharem em seus ouvidos de músico, o Orfeu enamorado das musas. Enquanto durava, que fosse intenso, rasgadamente entregue, dilacerado, esses tempos de trocar confidências ao pé do ouvido, sussurrar para as mulheres e homens as mais doces e apimentadas sacanagens, trovas, finezas e coisas básicas de um homem que era, assim tão misto. Alguns e algumas eram mais moças do que ele, outros até mais velhos. Quão prazerosa era essa troca, quão bom era dar e receber. Fundamental mesmo era não estar sozinho por muito tempo, e a um e outro logo se atirava quando aquilo chegava ao fim.

      Inês foi o seu caso mais longo, mas foi Beatriz de quem mais gostara. Quando se acabou, chorara, sofrera por ela, sim, claro. Mas, depois de certa noite insone, mesmo sob efeito de dois barbitúricos e dois diazepans, sentado mole ao pé da cama, deixou-se levar, partir. Estava doente dos nervos. "Bola pra frente, então", disse a si mesmo, inconsolável, vencido. Porém, por mais que houvesse aquele rapaz, ah, aquele rapaz dourado, de pele morena acobreada que quase o enlouquecera e com quem ficara em tórrida paixão por ano e meio, entre brigas ciumentas e voltas atraiçoadas, cremando-se os dois, de mesmo sexo, num carvão apartado até que se transformasse Edgar em fuligem. É que o rapaz aproveitara-se demais dele, ele assim analisava, julgava, esgotara todo seu empenho e dedicação, seu afeto, em outros amores e dinheiros...

       Elen era casada e deixou Alonso, o marido, para ir viver com ele. Ficaram juntos por quatro anos (ele nem acreditava!), amando-se desesperadamente de viver. E Edgar deixou Daniela, a loura, depois de dez meses, para ir viver com Clara, a afrodescendente que morava com Ataíde no subúrbio do Rio de Janeiro, e que lhe deu todo o cuidado, atenção e carinho que um homem quer e que merece, os quais não havia recebido de Daniela.

       Fátima, de lábios finos e duros, machucados, não entrando em detalhes de causas, tornou-se feminista e era lésbica. Mas com ela teve seu flerte, umas noites na casa dela, antes que saísse com os espinhos nos pés e no coração, por não auxiliá-la no serviço doméstico, ele que era mais dado ao piano que dedilhava tão bem, e que tentara instalar na pequena casa assobradada da vila, interpretando Bach, Liszt, Schumann, os seus preferidos. Dissera-lhe que se sentia "abusada" e "oprimida" por um macho que tinha seu próprio sustento e que dela não precisava de mais atenção do que aquela que ela dedicava ao seu escritório de jornalismo. E Edgar, após aquela noite, procurando ainda algum possível lar que nunca encontraria, saiu de lá com seu piano, decepcionado, para nunca mais voltar.

       Por hora estava com Lídia, a professora primária, tão meiga e afável, pouca maldade lhe impingindo além de seu hiperbólico senso de organização e a vontade de ter sua vida própria dentro do espaço de seu apartamento, que com ele não mais dividia. Quando dava-lhe aquelas alternâncias de humor e o desejo, sutilmente sugerido, de que ele fosse embora, ele então ia, paciência, fazer o quê?... Ia levando a relação com a barriga mesmo, desse no que desse. Sozinho, pungentemente sozinho e "incapaz", "sem forças", ele avaliava, para ficar muito tempo sem ninguém, ele então aprendia um pouco ao menos a ceder, afinal, pesando na balança, até que tudo ia bem, a flamazinha durava, mesmo meio fraca que estava. Pensava: "Melhor do que nada..." O nada do amor o apavorava, perseguia-o pelas noites em pesadelos, dos quais acordava resfolegado e com a fronte gelada.

       Mas, pesando bem, mesmo com a idade (que se danasse a idade!) ele acreditava que logo deixaria Lídia: considerava-a já chata por demais. Já começava a vislumbrar outros planos, olhar para outras direções... E, como queria amar e amar e amar, era à Luciana e a Natael que dedicaria aquele prelúdio de Rachmaninov no concerto que daria na próxima semana no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, acompanhado da alumbrada mezzo-soprano Zulmira Castanheira... Seus quatro filhos, dos dois casamentos passados a limpo e em cartório que tivera (três moças, das quais uma era harpista e namorava Camila, e um rapaz que gostava de sair para as baladas de sexta e sábado em seu carro novo, bebendo com os amigos e indo às boates até de madrugada --- aquela idade era fogo... suspeitava também dele, aquele Juan que lhe apresentou um dia, não sabia, não... Mas, ora, quem era ele para julgar o filho, logo ele, tipo tão incomum de homem?) --- bem educados e meio encaminhados que estavam, seus filhotes iriam estar ali sentados, comportados, na primeira fileira, para ouvir este pródigo papá de casaca preta e tão bonita, jovial ainda, e com um rosto meio branco e macerado pelo álcool que o inchava, tocar, tocar enamoradamente seu piano.

Entre Sombras e FrutosWhere stories live. Discover now