Quatro meses

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Por causa dos seus compromissos, Belinha e tia Laura logo vão embora do hospital. Decido ficar mais tempo com a minha mãe, não só para matar a saudade, mas também para botar o papo em dia. Ficamos conversando durante toda a manhã e eu pude finalmente me sentir mais tranquila. Quando o almoço dela chega, por volta das 11:30hrs, aproveito o tempo para conversar com a médica responsável por seu tratamento, Dra Fernanda Vieira. Sinto a necessidade de saber a real situação da minha mãe, mesmo tendo consciência de que a verdade pode ser mais dolorosa do que imagino.

- E então, doutora? Há alguma possibilidade dela se curar sem o transplante? - pergunto apreensiva. Estamos do lado de fora do quarto para evitar que mamãe nos ouça. - Minha irmã disse que é impossível, mas às vezes a Belinha pode ser bem exagerada, então... - dou de ombros, nervosa.

- Não vou mentir para você, Any. O estado da Priscila é muito delicado. - após ajeitar seus óculos, a loira, que aparenta ser muito jovem para a posição que ocupa, acomoda sua prancheta em um dos braços e me observa. - O coração dela se torna mais fraco a cada dia. Não vejo outra saída além do transplante.

- Entendo. Caso não consiga o transplante, - balanço a cabeça e tento continuar a conversa sem que o peso das palavras da médica me afete. - quanto tempo ela ainda tem?

- Não quero te assustar, mas sua mãe teria algo entre dois e quatro meses de vida.

- O quê? O tempo máximo é de quatro meses? - meu tom de voz aumenta consideravelmente. - Não pode ser! Você precisa fazer alguma coisa!

- Acalme-se, por favor! - ela pede. - Estou fazendo tudo o que está ao meu alcance para que a Priscila fique bem, mas as coisas não funcionam dessa maneira e você sabe.

- Sim, me desculpe. - solto um longo suspiro e passo a mão pelos meus cabelos. - É que, bom... é da minha mãe que estamos falando. Não posso perdê-la, doutora. Eu não posso! - a essa altura as lágrimas rolam. Não consigo evitar.

- Eu compreendo a sua dor, mas infelizmente é assim que a vida funciona. - ela desvia o olhar. - Se serve de consolo, estou torcendo para que um novo coração apareça e que possamos fazer a cirurgia. Sua mãe é uma pessoa maravilhosa e merece muito viver. Agora se me der licença, preciso ver outros pacientes.

- Claro, desculpe tomar o seu tempo. - seco meu rosto com as costas das mãos. - Obrigada, doutora!

A mulher apenas me dá um aceno de cabeça e sai andando. Respiro fundo na tentativa de manter o controle. Não posso me permitir quebrar agora. Preciso ser forte pela minha mãe e pela minha irmã que passará a depender de mim caso o pior aconteça.

Retorno ao quarto em seguida, me deparando com Josh ao lado da cama da minha mãe. Ambos estão usando os celulares e rindo de alguma coisa. Acabo rindo também, esquecendo-me um pouco da realidade.

- O que foi que eu perdi? - me aproximo a passos lentos.

- Estamos conversando. - mamãe sorri e me mostra o aparelho aberto no Google tradutor. Uma gargalhada me escapa. - A tecnologia é mesmo uma benção, não?

- É sim! - assinto. - Mãe, se importa se eu voltar pra casa agora? Minha cabeça está começando a doer. Acho que preciso descansar um pouco.

- Claro que não, meu amor. Pode ir. - ela segura minha mão. - Vocês voltam amanhã?

- Com certeza. Estaremos aqui bem cedo e dessa vez, faço questão de passar o dia inteiro ao seu lado. - lhe dou um abraço apertado e sorrio ao senti-la assim, pertinho.

Após nos despedirmos, Josh e eu seguimos para o estacionamento do hospital. Tia Laura havia pego um Uber com a Belinha e deixado seu carro para que eu pudesse me locomover pela cidade sem chamar muita atenção. Sentada em frente ao volante, me inclino sobre ele, pensativa e repasso mentalmente cada palavra da Dra Fernanda. Quatro meses é o tempo máximo que a pessoa que eu mais amo no mundo tem de vida. Apenas quatro meses! De repente, soco o volante, irritada. Começo a piscar incessantemente na tentativa de conter as lágrimas que começam a surgir no canto dos meus olhos. Sinto o olhar de Josh sobre mim, mas apenas ignoro, virando a cabeça para encarar a janela. Não quero que ele me veja tão fragilizada. Essa não é a Any que ele conhece.

- Você está bem? - sua voz contida chega aos meus ouvidos.

- Vou ficar, não se preocupe. - respondo, ignorando o nó que se formou em minha garganta.

- Por que está assim? Foi algo que a médica da sua mãe te disse?

Suspiro exasperada, ainda piscando como nunca. Pegando-me de surpresa, o loiro se vira de lado, no banco, e ergue sua mão até meu queixo, fazendo com que eu encare seu rosto. Acabamos ficando bem próximos.

- Fale comigo, Any! Estou aqui pra você. - ele diz enquanto acaricia minha bochecha. A voz está levemente rouca.

Vejo preocupação nos olhos do homem a minha frente, o que me faz sentir vontade e confiança suficiente para desabafar, para contar a ele o quanto me sinto perdida e desesperada. Entretanto, sei que o estacionamento de um hospital não é o local mais adequado para ter esse tipo de conversa.

- Só vamos dar o fora daqui primeiro, tudo bem? - seguro sua mão.

- Claro. Como você preferir. - ele balança a cabeça.

Josh se ajeita no banco, coloca o cinto de segurança e aguarda pacientemente enquanto me recomponho para começar a dirigir. Nos levo de volta pra casa o mais rápido possível, considerando o trânsito caótico de São Paulo e tento me distrair com as músicas tocando na rádio.

Your Love Saved Me • BeauanyWhere stories live. Discover now