Capítulo 46 - Estava enganada

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.•**•..•**•..•**•..•*KAYA*•..•**•..•**•..•**•.

   Vi sangue brotar do pequeno corte na boca de Ethan. Eu ainda estava meio confusa, tinha acordado em um ímpeto; mas precisava calcular e prever seus atos. Qualquer passo ou movimento poderia afetar a vida de Ethan. Sendo assim, empurrei uma de minhas adagas por debaixo da lona da nossa tenda, para que alcançasse a de Rainara. Torci para que ela percebesse, para que acordasse. Fiquei de pé enquanto observava Jackson e seus movimentos. Olhei ao redor. Os soldados que nos protegiam estavam no chão, com as gargantas cortadas. Ele não tirava os olhos de mim e não movia a faca. Ethan me olhava como se esperasse algum sinal. Eu não tinha nada. Nenhum plano. Pedi aos anjos qualquer ajuda. Eu sabia do que aquele louco era capaz. Seu rosto estava cheio de feridas, quase todo deformado. Ouvi sobre suas torturas e não queria pensar sobre isso. Eu sabia por que ele estava ali e não tinha ideia de como ia lidar com isso.

   —Impressionada com meu rosto? —Perguntou ao perceber que eu o observava. —Tudo culpa sua. E desse idiota aqui.

   —Jackson, o que você quer?

   Como ele saiu? As prisões do castelo eram quase impenetráveis. Será que foi ele quem destruiu as casas?

    —Quero vingança. Vou matar primeiro ele, depois sua filha e...

   Minha filha? Ele não ia tocar em Dalila. Nem que eu tivesse que morrer. Tentei não demonstrar nervosismo mas ele sorriu, como se tivesse percebido.

   —Você não vai nos matar, Jackson.

   —Como pode ter tanta certeza?

   —Se fosse assim, você já o teria feito.

   Vi sua segurança se desestabilizar por um segundo.

   Vamos, Rainara.

   —Você realmente duvida de mim? —Perguntou, pressionando ainda mais a faca no pescoço de Ethan.

   Estremeci. Merda.

   —Claro que não —Apressei-me. —Digo, você tem todo motivo para ter raiva de mim mas não acha que destruir a cidade foi o suficiente?

   Vi o olhar de Ethan escurecer.

   —Aquilo não estava em meus planos, querida. Isso aqui estava. Torturar vocês dois. Fazer vocês pagarem.

   —Você acha que vai resolver algo? —Tentei manter a voz calma.

   —Claro que vai!

   Vamos, Rainara.

   Tentei dar mais um passo à frente mas ele se afastou e acabou rasgando um pouco a pele de Ethan.

   —Fica aí! Quer mesmo que eu acelere as coisas?

   Mais sangue saía dele. Merda.

   —O que você quer? —Perguntei de novo.

   Ele ficou me olhando, como se pensasse no que dizer. Ele queria ameaçar. Se fosse só nos matar, teria feito.

   —Você é amiguinha do príncipe, não?

   Anuí, esperando que continuasse.

   —Quero que me libere. Quero que fale com ele para me deixar sair do reino.

   —Tudo bem mas agora é de noite, não consegui...

   —Vamos lá agora mesmo —Falou, em tom ameaçador — se quiser que ele viva.

   Ethan fez que "não" com a cabeça. Jackson socou o rosto dele.

   —Fica quieto —Ordenou. —Vamos!

   Comecei a me virar para ir para a cidade quando ouvi:

   —Kaya, abaixa! —Era Rainara.

   Obedeci imediatamente, me jogando no chão. Vi algo passar por mim rapidamente. Uma flecha. Foi mal posicionada e, pela falta de prática de Rainara, acabou acertando apenas o pé de Jackson. Ela estava ainda dentro da tenda, segurando o arco. Os outros moradores observavam, apreensivos. Uma ajuda seria bom, pensei. Jackson gritou de dor e Ethan aproveitou a distração para tirar a faca de sua mão de dar uma cotovelada em sua têmpora. Jackson cambaleou. Ainda bem que os dons estavam indo embora. Ethan correu para longe, procurando a faca. Jackson o agarrou, depois de arrancar a flecha do pé. Ethan caiu de barriga no chão, a poucos passos da faca. Levantei-me e corri até a mesma. Ethan chutava o ar, na esperança de que algum de seus ataques acertasse Jackson. Segurei a faca com força e pulei para cima de Jackson. Ele agarrava a perna de Ethan com força. Chutei sua barriga e ele puxou o ar com força, se contorcendo. Sentei sobre suas pernas, para impedir que se movesse. Ele tentou me socar mas posicionei a faca em sua garganta.

   —Me mata —Pediu. —Não aguento mais ser torturado.

   Vi seu olhar desesperado e me assustei. Não mataria ninguém sem razão. E ele tinha de ser castigado.

   —Pega algo pra amarrar ele, Ethan.

   —Por favor, me mata —Pediu mais uma vez, com lágrimas nos olhos.

   Desviei o olhar e saí de cima dele, virando-o para baixo e segurando seus braços. Ele pareceu relaxar então também o fiz, o que, obviamente, foi um erro. Ele conseguiu soltar-se e me derrubou, girando o corpo. Tomou a faca de minha mão e enterrou no próprio peito. Ethan voltou correndo para me acudir. Reprimi um grito e fechei os olhos. Eu não queria mais ver aquilo. Ouvi um baque, seu corpo parando no chão. Ethan parou à minha frente, cobrindo minha visão.

   —Tá tudo bem?

   —Eu tô bem... —Comecei a me levantar.

   Rainara apareceu com o rosto preocupado.

   —O que vamos fazer com esse garoto?

   —Eu dou um jeito —Ethan disse. —Leve-a para dentro. Encontro vocês depois.

   Rainara passou o braço por meus ombros e eu não argumentei, apenas entrei na tenda. Não olhei para trás, não tive coragem suficiente, não sei o porquê. Sei que estava louca para segurar minha filha.

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   Ethan disse que enterrou Jackson e mandou uma mensagem para Pietro. Acalmamos nossos "vizinhos" dizendo que tínhamos resolvido tudo com os soldados. No dia seguinte, novos soldados chegaram e disseram que Pietro entendia e agradecia pelo feito.

   Ele não veio. Mandamos um recado a Pietro e, ainda assim, ele não veio. Fiquei decepcionada e Ethan percebeu.

   —Sinto muito —Falou — por ter visto aquilo e, bem, pelo idiota do Pietro.

   —Obrigada. Mas você sabe que não gosto que o chame assim.

   Dalila brincava com uma bonequinha de palha que eu tinha feito para ela e eu tentava impedir que colocasse a boneca na boca. Estávamos na tenda. Ethan olhou para mim de soslaio e balançou a cabeça.

   —Tudo bem mas é o que penso.

   Suspirei. Dalila sacudia os braços e as pernas, rindo à toa. Ainda bem que ela estava bem, ainda bem que não entendia nada. Sua risada me tranquilizou um pouco.

   —Mal posso esperar para voltar para casa —Confessou. —Quero dizer, para alguma casa. Vamos ter que recomeçar.

   Anuí.

   —Já perdi as contas de quantas vezes eu recomecei. Uma vez a mais não faz muita diferença.

   Eu estava enganada.

Os Dons de Lithia: Entre o Amor e a Guerra Where stories live. Discover now