Capítulo 56 - Livre

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.•**•..•**•..•**•..•*KAYA*•..•**•..•**•..•**•.

A minha tensão só aumentou depois que eu entreguei os papéis a Marlon. Achei que ia ficar mais tranquila, afinal estaria me livrando dele.

Marlon me disse que tudo se resolveria dentro de dias e que eu precisava ficar atenta. Ele contou-me que Ethan estava bem - na medida do possível, claro - e que eu não precisava me preocupar tanto - até parece!

Alguns dias se passaram e eu não tinha informações de nada. Dormia com medo, acordava com medo. Planejava modos de sair mais facilmente de uma sala ou do quarto com a minha filha, caso algo acontecesse. Eu sabia do que Pietro era capaz.

Até que, num dia, o que eu mais temia aconteceu:

—Dagenhart!

Eu estava no quarto de Dalila com ela. Pietro chegou abrindo a porta com força, gritando comigo. Dalila assustou-se e começou a chorar. Virei-me para ele com o cenho franzido.

—Por que essa gritaria?

Abracei minha filha, na tentativa de acalmá-la. Pietro pisou duro até nós. Segurou-me pelo braço e minha filha chorou ainda mais alto, se agarrando em meu pescoço, com medo.

—O que você fez? —Perguntou, apertando meu braço.

—Me solta! —Ordenei. —Você está assustando nossa filha.

—Você teve coragem de me entregar para o Conselho? —Disse, entredentes.

—Me solta! —Exigi, estreitando o olhar para ele, os dentes cerrados.

Ele soltou meu braço e eu continuei a balançar Dalila, para que ela fosse se acalmando.

—Não disse nenhuma mentira a eles —Falei, enquanto acariciava o cabelo de minha filha, cuja cabeça estava deitada em meu ombro.

—E por que fez isso?

—Por que eu não faria? Você acha que eu perderia essa oportunidade?

Pietro cerrou os punhos e rosnou baixo. A situação ia sair do controle. Entreguei minha filha a uma das babás.

—Podemos conversar em outro lugar?

Ele saiu marchando em direção ao seu quarto. Fechei a porta atrás de mim.

—Você sabe o que eles podem fazer? —Perguntou, aproximando-se de mim. —Eles podem me prender, me mandar lara um manicômio. Você está louca?!

—O único louco aqui é você, Pietro. Não vê? Sequestrou minha filha, nos prendeu aqui. Você está fora de si.

Ele soltou uma risada sarcástica.

—Eu estou fora de mim? —Perguntou, exaurido. —Talvez eu realmente esteja. Por sua culpa! —Aproximou-se ainda mais de mim, tentando me deixar acuada. Não mais.

—Minha culpa?! Por favor, Pietro!

—Por que você simplesmente não me ama? Tudo seria mais simples.

—Mas eu não te amo! Eu não posso viver aqui, você não pode me obrigar a sentir algo. Será que não entende? —Eu praticamente gritava, desesperada para que ele desistisse daquela loucura.

Pietro emanava raiva e confusão. Seu corpo estava tenso, ele me olhava com a testa enrugada.

—O que eu faço com você? —Perguntou.

Eu não sabia o que eu esperava. Só o observava perto da porta, pronta para correr.

—Como tem coragem de fazer isso comigo? —Perguntou, a voz magoada.

—Você não me deixou escolha —Expliquei. —Você não é mais o mesmo.

Ele desviou o olhar do meu, encarou o chão. Sabia que eu estava falando a verdade.

—Eu não vou mais ser rei. Vou perder você e Dalila...

—Você já nos perdeu —Falei, sem cerimônia.

A expressão de Pietro escureceu e sua postura afundou. Ele sabia que eu estava certa; sabia que não poderíamos ser feliz daquela maneira obsessiva que ele me tratava. Se ele não me desse minha liberdade, eu a tomaria, como prometido.

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A cabeça de Pietro rodava naquele momento. Ele estava confuso. Sabia que estava exagerando no tratamento que dava a Kaya e Dalila mas precisava delas. A fala de Amaya estava ali, o importunando. A irmã tinha razão. Ele não podia obrigar Kaya a amá-lo, apesar de querer que sim. Aquela loucura só estava piorando sua situação no trono.

Ele tinha dificuldade de aceitar aquilo. Passou um ano inteiro tentando se convencer de que tinha perdido e não conseguira aceitar. Convenceu-se, na verdade, do oposto: que precisava voltar a ter com ela o que tinha antes senão enlouqueceria. Não deu certo, entretanto. Perdera Kaya há muito tempo, nunca tivera Dalila, estava prestes a perder o próprio trono e precisava lutar para não perder a própria família.

Ali, de frente para ela, sabia que a tinha deixado ir antes mesmo de abrir a porta. Kaya o odiava. Ela olhava para ele com um misto de medo e raiva. Não havia mais amor. Era hora de agir racionalmente e cuidar dos seus verdadeiros problemas.

—Kaya, eu... —E foi interrompido quando a porta do quarto se escancarou.

Quatro guardas vestidos de branco entraram. Pietro sabia o que significava mas Kaya não. Ela estava assustada; afastou-se da passagem e observou tudo.

—Sir Pietro Dagostin, o senhor está detido e deposto de seu trono por abuso de poder e desrespeito às leis lithianas —Um deles aproximou-se e acorrentou os punhos de Pietro. —Ficará em detenção até o seu julgamento no Conselho. Tem o direito de permanecer calado, qualquer...

Pietro parou de ouvir. Prestou atenção em Kaya, observou o rosto da amada bem pois sabia que seria a última vez. Deixou-se ser levado enquanto lembrava dos alertas de sua irmã e de seus conselheiros. Suas ações teriam consequências mais cedo ou mais tarde. Pietro deixara seus sentimentos falarem mais alto e tudo dera errado. Se tornara um louco.

Kaya observou tudo sem dar uma palavra, sem mover um músculo. Não estava preocupada nem triste ou arrependida. Afinal, ela estava livre.

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Não esperei o dia seguinte. Procurei Marlon pelo castelo inteiro depois que tiraram Pietro do quarto. Eu não podia estar mais aliviada. Andava, naquele momento, sem peso nos ombros, praticamente flutuava pelos corredores do castelo. Eu ainda tinha outras preocupações mas a maior delas fora resolvida.

Perguntei aos guardas sobre Marlon e eles me disseram que ele estava na torre leste. Corri para lá, subindo dois degraus de vez. Abri a porta de sua sala e disse, ofegante:

—Você conseguiu!

Marlon estava no meio da sala, com os olhos brancos, uma estranha luz emanando dele. Achei que toda aquela loucura sobrenatural tivesse ficado no meu passado. Fiquei pasma, congelada onde estava.

—Olá, Dagenhart.

—O que está acontecendo? —Perguntei, assustada.

—Desculpe-me por ter descoberto assim —Fez uma pausa, como se esperasse que eu concluísse algo. —Sou eu, Amitiel.

Os Dons de Lithia: Entre o Amor e a Guerra Where stories live. Discover now