v i n t e e t r ê s

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Meus pulmões imploram pelo oxigênio que não circula por eles desde que eu havia deixado de respirar ritmicamente e meu corpo obriga-me a cessar o ritmo de meus pés contra o asfalto quando minhas pernas ficam dormentes

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Meus pulmões imploram pelo oxigênio que não circula por eles desde que eu havia deixado de respirar ritmicamente e meu corpo obriga-me a cessar o ritmo de meus pés contra o asfalto quando minhas pernas ficam dormentes.

Eu passo o dorso de uma das mãos em minha testa e apoio-me na árvore mais próxima, sentindo meu coração quase saltar pela boca.

Merda, xingo mentalmente, repreendendo-me por não ter trazido uma garrafa de água.

A temperatura de Belvedere está meando os trinta graus e o calor se tornou ainda mais insuportável quando decidi correr por uma hora e poucos minutos sem ao menos parar para descansar e recuperar o fôlego.

Por pura coincidência, visualizei um pequeno riacho de água natural a poucos passos à frente de onde estou, arrastando meus pés pelas pedras de granizo que sobressaltam do asfalto inacabado ou finalizado com má vontade.

Então eu me ajoelho, sentindo minhas pernas ficarem levemente úmidas ao encosta-las na poça de lama que beira o riacho quando esgueiro-me para frente e, com as mãos em conchas, umedeço os meus lábios antes de repetir o processo mais algumas vezes até saciar a minha sede.

— Essa é uma propriedade particular, Nolan. — A voz familiar de Kim Kettner ressoa em meus ouvidos, fazendo-me erguer o meu corpo bruscamente e virar-me para ela. — E é importante ressaltar que roubar água de riachos é um tanto vergonhoso.

Os seus lábios curvam-se sutilmente e ela meneia a cabeça, estalando a própria língua.

— Oi, Kim — eu respondo, ofegante, desdenhando a sua ironia.

— Você é atleta? — a pergunta escapa de sua boca assim que eu fecho a minha.

Faço que não com a cabeça e ela não demora a franzir o cenho para mim, em um misto de curiosidade e confusão.

— Eu era.

— E porque não é mais?

Inconscientemente eu reviro os olhos; o que se tornou uma reação automática de meu subconsciente desde que Kim começou a me abordar diariamente com as incansáveis perguntas de sempre.

— Fui tomado pelo sedentarismo.

— Papo furado.

É óbvio que uma simples resposta nunca seria o suficiente para uma garota que questiona até mesmo o próprio nascimento, mas ainda assim eu me fiz de desentendido.

— O quê?

Kim suspira, impaciente.

— Você só está tentando limitar o diálogo.

— Não estou não.

— É claro que está.

Eu permaneço em silêncio e Kim insiste, soltando as mãos ao lado do corpo: — Eu posso morrer a qualquer momento e não aceito partir sem que você me conte os seus segredos.

Pressionado os lábios para conter o riso diante do seu desespero, eu dou de ombros.

— Eu não tenho segredos.

— Ah, qual é, ninguém em sã consciência se muda para o fim do mundo sem que esteja fugindo de algo. — Ela semicerra os olhos em minha direção. — A menos, é claro, que você estava fugindo de alguém.

Eu estava torcendo para que ela não terminasse a frase, temendo o frio na barriga que cresceu dentro de mim com intensidade.

Touché. — Kim exclama, satisfeita, e, automaticamente, eu engulo em seco, desviando o meu olhar do seu. — Deixe-me adivinhar, é de uma garota?

Eu não respondi, soltando um longo suspiro ao me recordar das íris esverdeadas que assombram os meu próprios demônios.

— É de uma garota. — Ela concluiu, sem êxito.

Então eu disparei, com a voz banhada de irritação e frustração: — Eu estou fugindo da merda da minha vida, Kim.

Ao sentir o meu rosto estremecer, enrijeço o maxilar com força e puxo o ar pelo nariz, em uma tentativa falha de me desfazer das memórias que estou incansavelmente revivendo com bastante frequência.

Eu só queria esquecer.

Pelo menos, por um único momento.

Em consolação e, talvez, pelo sentimento de culpa, Kim repousa seus dedos finos em meus braços e eu mantenho-me de costas para ela.

— Nolan, eu não queria...

— Se meter onde não devia? Que irônico.

Atrás de mim, Kim recua quase que de imediato e afasta suas mãos de meu corpo, fazendo-me prender respiração por alguns segundos, até que ela diz: — Sabe, eu nem sempre fui assim. Até os dez anos, a minha única curiosidade era saber onde minha mãe poderia estar desde que o câncer a tirou de mim e do meu pai. Mas, a partir do momento em que eu reconheci o que havia acontecido, tentei fugir da minha própria vida para então bisbilhotar a de meus vizinhos e, principalmente, a da senhora Miller, que sempre carregava sacolas cheias mesmo que nunca se quer saísse pelo portão de sua casa. — Sua voz é rapidamente substituída pelo sorriso que entorna os seus lábios com a lembrança. — Então, há seis anos atrás, eu vi o seu corpo cair sobre o gramado e descobri que ela enchia as sacolas com pedras e usava o peso para exercitar os braços. Sério? Quem é que pensa nisso? Mas eu não estou querendo tornar esse momento mórbido, Nolan. Na verdade, a questão aqui é totalmente outra. E o que eu estou tentando te dizer é que quando você foge da sua vida, automaticamente, você acaba iniciando outra. Mas a tentativa de recomeço se torna falha quando você se frustra com o presente e começa a ter esperanças de voltar para o que te assombrou no passado, mesmo que seja para concertar, entender ou apenas esquecer o que ainda te prende lá. Então, se você ainda tem esperanças, volte. Porque, infelizmente, quando não a temos mais, a única opção é seguir em frente. E você não pode simplesmente deixar que seja tarde demais.

Seus olhos, um com o tom azulado semelhante a cor de seus cabelos e o outro castanho, agora estavam na altura dos meus em uma desordem de sentimentos.

Havia intensidade.

Muita.

Em ambos os coração quebrados.

Eu engoli em seco e então disse, mais para mim do quê para ela: — Eu preciso voltar.

Kim balançou a cabeça, deixando que as lágrimas finalmente caíssem em seu rosto.

— Como Calvern diria, seja um bom rapaz, Nolan. — Ela falou, com os olhos marejados e um sorriso nos lábios. — Ou apenas continue sendo belo e cruel.

D.KRESTHWhere stories live. Discover now