22.

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(Ian)

Engasguei, apagando o cigarro. Como se precisasse desesperadamente respirar espremido no fundo de um poço de água gelada e suja, mas contive o instinto de tossir, me debater e resfolegar. Encarando-me com sua expressão acusatória, não pude deixar ser atraído para aquela linha breve, certeira e singular, repleta de teias invisíveis de força sobre-humana. Um momento depois, eu me vi afundado no que parecia um lamaçal púrpura e carmesim, transbordando aquela onda magnética e letal de censura que atravessou o cômodo entre nós, validando a reação que ela buscava.

Desviei meus olhos até ela, incapaz de decidir se me deixava consumir pela ira ou se lhe entregava o desprezo que aquele desafio continha. Era muito mais perigoso que de fato ela poderia imaginar. Um perigo danoso, repleto de gatilhos emocionais. Conhecia bem aquele jogo desprezível entre irmãos que ela estava disposta a fazer, brincando de gato e rato como se fôssemos troféus.

Um calafrio atravessou minha espinha, junto à memória do rosto amargurado de Dorian, servido de um sorriso educado e desdenhoso, o qual pairava sob o altar, ao meu lado, como padrinho de um casamento que deveria ser dele.

— Você gosta de estar em vantagem, eu vejo. — afirmei, jogando a cabeça para trás e liberando uma baforada entre dentes. — Dois sempre é melhor que um.

— Está me acusando de jogar com os dois? — Katherine pareceu genuinamente ultrajada, o que me tomou de surpresa.—Que tipo de vagabunda doente fica entre dois irmãos?

Carol.

O pensamento me tomou de uma súbita repulsa, um desprezo imediato por mim mesmo, por me trair com uma acusação tão ridícula quanto aquela. Ela tinha optado. Optado por mim e não feito um jogo entre os dois.

E meu coração se converteu em um bloco frio, impenetrável, pulsante de uma dor que não se curava.

O que merda eu estava pensando?! O que merda aquela garota achava que tinha direito de fazer com minha cabeça?!

Pisquei, cético, sem mover um músculo, enquanto o rosto de Kath assumiu um intenso tom de vermelho vivo. Ela parecia prestes a me chutar até a porta a ponta pés e eu me dividi entre o desejo de que ela o fizesse e o alívio de saber que ela não nos enxergava assim.

— Maquiavel dizia: os fins justificam os meios. — Murmurei, testando sua vontade, esperançoso.

Talvez ela realmente me chutasse para fora. Desejei que ela o fizesse. De outra forma, como poderia deixá-la?

O pensamento fez meu sangue correr em gelo.

Me chute para fora. Me mande de volta para o buraco miserável de onde vim e me obrigue a me afastar! Peça uma medida protetiva, seja esperta! Só me tire da sua vida enquanto ainda não estamos nos destruindo. Enquanto eu ainda tenho chances de aceitar sua decisão.

— Enfie seu dinheiro no rabo, Ian. — Murmurou ela, a voz dura e vazia. — Eu não preciso dele. Nem de você. Ou de Dorian.

Kath me encarou por um longo momento, ultrajada com minha afirmação, até que seus olhos se tornaram letárgicos e apáticos, e ela desviou o rosto finalmente com um desprezo tão profundo que arrastou a culpa de meu peito no mesmo segundo. E naquele mesmo momento, fui tomado por uma onda violenta de arrependimento. Mas era tarde demais para outra conversa e quando Dorian surgiu à porta com o médico, ela se ergueu e balbuciou duas palavras antes de me dispensar:

— Obrigada. Se me der licença... — Disse, apontando a mesa de jantar para que o médico se sentasse. — Gostaria de falar a sós com o doutor, se não for pedir demais.

Mr. Bratv Where stories live. Discover now