64.

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(Kath)

Meus olhos abriram-se para penumbra bolorenta do que parecia, pelas frestas, dia; A dor dilacerante me recordou, com detalhes sórdidos e sussurrados, a inacreditável jornada do dia anterior. Sentando-me, vislumbrei por cima do ombro a única saída trancada a cadeados e correntes, visão que me causou arrepio súbito e recordou: estou em cárcere.

De algum lugar do cômodo de cima, vozes altas e estéricas murmuravam e negociavam, contudo eu não podia entender sequer uma de suas palavras. Esfreguei os olhos, mentalmente me esforçando para me recompor. É domingo, deleguei. A bolsa de Israel não abre hoje.

Então, recordei-me de uma questão crucial. Havia mais alguém na porão -- ou o que quer que aquele lugar fosse. Meus olhos vasculharam atentos e assustados a figura infantil pelo cômodo, declinando, por fim, em frustração. Uma criança de nome Summer. Fui rápida em perceber, aquela, com absoluta certeza, era a Summer da qual a ex-cunhada de Ian falava ao celular.

Antes que pudesse me questionar por mais, dois homens desceram as escadas, com passadas pesadas e olhos escuros. O mais alto tinha um bigode ralo e grisalho, era magro e vestia o que parecia um macacão azul. O mais baixo era robusto, a pele rubra em suas maçãs e o nariz ossudo o fazia parece, não um homem, mas um pinguim.

-- Levantando. -- Obrigou-me ele, puxando-me pelos braços.

Sem relutar, levantei-me ereta sentindo a dor atravessar meus músculos como ácido. Fui arrastada rispidamente escada acima, amordaçada e vendada. Mas pelas frestas dos trapos pude perceber a luz solar, que ao pouco a pouco tomava meu corpo em calor. Não havia vozes além dos meus passos e da conversa baixa em uma língua desconhecida tomada pelos dois companheiros. Dentre os sibilos e sílabas complexas, eu podia perceber as palavras em inglês para "avião" e "viagem".

Inspirei pesadamente pelas narinas quando fui jogada de lado dentro de um carro, esbarrando no corpo quente de alguém que sustentou meu peso. A voz feminina ao meu lado apenas assentia as ordens dos outros homens, quando ela começou a me despir. Seus dedos quentes tocaram levemente minhas feridas, quando arquejou e passou a me limpar. Logo, fui vestida com um tecido denso, com longas mangas. Ela removeu a venda de meus olhos, e a luminosidade me atingiu pesadamente. Pisquei indecisa, encarando a mulher a minha frente. A surpresa não foi que eles estivesse usando um Niqab, mas seus olhos esverdeados que pareciam queimar densamente numa chama de terror e medo. Ela me dizia em seu silêncio absoluto: fique quieta.

Logo, um manto pesado que caiu sob meu rosto e eu baixei olhos, petrificada, incapaz de decifrar o que acontecia. Minutos depois, reconheci: ainda estávamos na Califórnia. Pudia ver as palmeiras e sentir o calor exaustivo que fazia o asfalto parecer uma frigideira. Antes que eu pudesse arquitetar um bom plano de fuga, o carro deslizou até um estacionamento e eu e a outra mulher fomos obrigadas a sair do carro.

Subimos cuidadosamente escadas, evitando o elevador e logo estávamos no piso do que parecia um bunker. O barulho das aeronaves, assim como o cheiro de óleo e gasolina me atingiram de imediato. Sem especulações caminhamos por uma área militar, sendo assistidas pelo que pareciam agentes oficiais do governo. Minha respiração se tornou estranhamente pesada por um segundo e eu e a mulher desconhecida nos entreolhamos. Ela segurou minha mão como um aviso, mas sua pele estava pegajosa e quente.

Se eu pudesse... só por um segundo... Mas os homens estavam perto demais. Controlei o primeiro impulso de gritar e obriguei-me a pensar coerentemente.

Os homens discutiam baixo com alguns outros, parecia irritados de alguma forma. Aguardei silenciosamente, até que eles se distanciassem de nós.

--- Summer. --- Murmurei para a mulher ao meu lado sem desviar os olhos dos sequestradores. -- Onde está a garota?

Mr. Bratv Where stories live. Discover now