55.

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(Kath)

São Petersburgo era fria, úmida e triste.

E mesmo que meus olhos estivessem deslumbrados, logo a sensação profunda de angústia e dor precipitava de meu âmago até a borda dos olhos, ameaçando transbordar, como vômito: um impulso.

Ian permanecia em silêncio. Toda viagem aérea , alfândega e táxi ao hotel ele pouco ousava pronunciar. Parecia perdido em um vasto oceano pessoal de reflexões e sentimentos, uma dor que eu não compreendia, que não podia sentir com ele. Encarávamos-nos pontualmente e, assim, podia vislumbrar o que surgia com o flash de um sorriso cinza.

No Corinthia, fomos recebidos por dois carregadores, o quais ficaram encarregados de nossas bagagens, transportando-as com facilidade, atravessando o saguão e desaparecendo,  enquanto Ian fazia o check-in em seu exímio russo, direto e pontual.

— Quarto 402. — Anunciou, entregando-me o cartão-chave em um impulso. Meus olhos estreitaram-se em sua direção, confusos. — Preciso resolver uma questão. E vamos a um jantar.

— Não estamos aqui a passeio... — Recordei-o, deixando transparecer o tom desconfiado em minha voz mais que o suficiente.

Ele depositou um beijo único e frio no alto de minha testa, organizando meu cabelo atrás da orelha. Seu toque era suave, gentil, mas repleto de uma hesitação dilacerante. Senti que o peito podia explodir por dentro em angustia e medo. Medo de que aqueles malditos dia de sofrimento estivessem renascendo.

Ele me encarou decididamente. Aqueles castanhos olhos apáticos me perfuraram como ferro em fogo.

E eu que sentia-me conhecedora profunda de seus segredos me senti estúpida.

— Eu sei. — Concordou, esboçando um dos sorrisos mais lindos que eu já vi, e por um instante eu tive certeza do porque tinha um dia me apaixonado por ele.

Ian podia, com certeza, atrair o universo ao entorno de si quando sorria. E eu amava aquilo sobre ele.

Mas ele deu de ombros e saiu, deixando um rastro de silêncio e dúvidas.

Tomei o caminho ao elevador, revisando as normas traduzidas para inglês. Do espelho no cubículo veicular não me chocou a deterioração de rosto, cabelo e postura. Era como uma daqueles dias em que toda sorte parece desaparecer em fumaça.

O quarto, que deveria parecer luxuoso e impressionante se meu trabalho não tivesse me obrigado visitar milhares deles, de novo e de novo, até o ponto de que tudo era igual, parecia preenchido por um silêncio fúnebre. As malas já estavam ao lado do guarda-roupas, e sorri ao me deparar com as duas camas de casal, cada qual em um cômodo. Logo me apressei em tomar um banho demorado, que lavou os nós em meus cabelos e ombros. Ali, acompanhada apenas da respiração ritmada e barulho da água, observando o nada na névoa que subia e abafava o banheiro, eu me sentia sobrecarregada, estufada em tantos sentidos de todos sentimentos miscigenados entre raiva, dor e revolta que poderia a qualquer minuto explodir.

Evitei o espelho e cuidei do que restava de aparência. Sequei o cabelo. Desenhei uma maquiagem. E na aplicação do rímel, meu celular tocou o que me tomou de surpresa e me fez sobressaltar.

Era uma ligação de casa.

— Como foi de viagem? — Indagou Beth, pouco esboçando reação.

— O mesmo de sempre. — Anunciei, encarando meus pés.

Beth e eu não estávamos bem. Não depois de ela ter me convencido a recomeçar longe da Bratv e eu ter viajado novamente com Ian, envolvendo-me em problemas que não eram mais meus.

Mr. Bratv Where stories live. Discover now