47.

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(Kath)

Voltei a casa por instinto.

O que mais eu faria aquela altura?

Quando atravessei a porta, ainda incapaz de dar um nome aos meus sentimentos e minhas ações, Dorian ergueu-se do sofá em um pulo, encarando-me do meio da sala. A fricção entre nossos olhares tornou o ar repleto de eletricidade e tensão.

Àquela altura pouco importava se meu rosto estava desfigurado em lágrimas e raiva, esta última muito mais de mim mesma que dele. Dorian encarou-me em silêncio, resignado, esperando qualquer movimento meu. Seus olhos ladeavam-me como chamas, lambendo meu rosto e coragem. E eu nunca achei tão difícil decifrar alguém.

--- Diga alguma coisa. Qualquer coisa. Eu não consigo lidar com o teu silêncio.

Inspirei lentamente, sabia que aquela não era a hora das palavras. Se viessem, seriam em raiva e desalento.

--- O que mais você quer que eu diga, Dorian?

--- Diga que não é o fim para nós. Diga que vai ficar. Comigo.

Sua sinceridade estocou meu peito sem qualquer caridade, obrigando-me a encarar-lhe no fundo dos olhos castanhos. Havia um imenso sentimento pesado, construído e maciço que não podia ser ignorado, mas que eu empurrava para debaixo da cama sem cerimônias.

Meu coração estava no meio de uma tempestade entre a justiça e meus sentimentos, como uma arena. Via-me digladiando entre a razão e todos os sussurros infelizes e controversos de minhas emoções, como um grande festival de ano novo chinês.

---- Você não achar que existem coisas mais urgentes que simplesmente nós? O mundo não gira ao nosso entorno, Dorian. Ligue para seu irmão. Já passou da hora de parar com o esconde-esconde.

--- Kath, você sabe que eu não posso...

--- E o que você vai fazer? Fugir o resto da vida? Sentir-se culpado por um crime que não é só seu e evitar olhar seu irmão nos olhos? Você não acha que já chega de mentiras?

--- Ele nunca vai me perdoar. --- Balbuciou, os olhos em fúria, mas sua voz era comedida.

Aproximei-me lentamente, exausta demais para grandes discussões e arrebatamentos sentimentais. Estava cansada de todo aquela impasse emocional.

--- Pode ser. Mas ao menos isso vai libertar a vocês dois.

Trocamos um longo e exaustivo olhar imerso em todas palavras retidas que ainda não deveriam serem ditas. Deixei que meu toque em sua face aquecesse por um momento nosso corpos gelados e hesitantes. Seus olhos fecharam-se e ele suspirou, inalando com cuidado. Aquele toque durou menos de cinco segundos, mas repetiu-se em nossos pensamentos por pouco mais que uma eternidade. Logo, com poucos e silenciosos passos, atravessei a casa até o banheiro.

A água gelada parecia cortante quando deslizei para debaixo do chuveiro. Pude sentir meus músculos contraírem-se para logo relaxarem por completo, porém aquela maldita dor de cabeça não ia embora. Precisei de um longo tempo lavando o cabelo e o corpo, a fim de poder retornar ao meu eixo de gravidade. Meu coração parecia ter corrido uma maratona e desmaiado antes da linha de chagada, amargando derrota.

Não lembro como adormeci depois de chegar ao quarto, mas o fiz rapidamente. Esgotada, de cabelos molhados, adormeci ao som soturno do quebrar das ondas e o sopro agora gélido da maresia que entrava pela janela entreaberta, repleta de pequenos vasos vazios, as plantas, por suposto, morreram há muito.

E era aquele o cenário árido de quem não sabia o lugar de seus próprio coração.

Sem sonhos.

Sem delongas.

Mr. Bratv Waar verhalen tot leven komen. Ontdek het nu