46.

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(Ian)
Quando o avião aterrissou no aeroporto principal de Los Angeles passava das 22h.
O contato com Dorian havia sido falho. Meu irmão persistia em um silêncio infrutífero sobre seu paradeiro e o de Katherine e meu ato falho pesava-me tal qual fardo.

E eu precisava, por disposição ou um momento de insanidade, abrir o jogo com aquela mulher.

A ausência dela, minha culpa... eu não podia afastar aquilo de minha mente, como mais um de meus fantasmas.

Não, eu não estava pronto para abandonar meu passado, mas tão pouco poderia abrir mão daquilo... eu não conseguia lidar com o desejo latente, com todos "e se..." que prendiam-se em minha garganta.

E aquilo era um péssimo sinal.

Porque eu já tinha entrado no automático.

--- Gabriel, --- Murmurei para a pessoa do outro lado do telefone. --- Nenhuma notícia?

--- Não até agora, Mr. Bratv. --- Lamentou o rapaz. --- Sabemos que o carro de seu irmão não está na garagem e as câmeras mostram que eles deixaram a residência ontem, depois do expediente. Estamos tentando acessar as câmeras de trânsito, mas tudo indica que saíram da cidade.

Um calafrio transpassou minha espinha.

--- OK. Qualquer novidade, me avise.

Desliguei sem cerimônias. A sensação de quem prevê a chegada de um desastre continuava roçar minha pele, alertando-me da tempestade que se formava no horizonte. Estava preparado para outra ligação, quando o identificador de chamada acendeu a tela do celular e projetor o nome de Dorian com o apelido de "pé no saco".

Atendi de imediato, distanciando-me da comitiva que reunida comigo desdobrava-se como força tarefa a fim de encontrá-los.

--- Onde inferno vocês estão?! --- Esbravejei, com o olhar voltado para a sacada do escritório reserva que me aloquei. A vista de Los Angeles iluminada era melancólica e angustiante, enquanto o ar quente preenchia meus pulmões com baforadas escaldantes.

--- Precisamos conversar. Venha pra casa. --- A voz de Dorian era sombria como nunca havia soado.

A forma como ele enfatizou "casa" internalizou-se como veneno. E eu sabia que "casa" significava aquele lugar, aquele maldito lugar onde tudo aconteceu.

O lugar que eu nunca voltava, a primeira grande perda.

Sentia-me angustiado das fotos sorridentes, de um irmão banguela e medroso, de uma vida que parecia ter sido vivida há séculos. E para mim estava enterrada.

Não éramos os mesmo que partilhamos a casa a beira mar, nem eu e nem Dorian. Não eramos os irmão que costumávamos ser, unidos mesmo depois da primeira grande perda.

Estávamos fragmentados da sina de vermos partir um a um aqueles a quem chamamos de família. E Carol havia levado com ela o que restara daquele elo, porque a ela por alguns anos incríveis tinha sido nossa família, nosso começo.

--- Onde está Kath? --- Indaguei, sentindo as gotículas de suor brotar por sob as mãos e nuca.

--- Estou esperando, irmão.

A ligação se desfez. Era a primeira vez em anos que Dorian tinha aquelas palavras entre os lábios. E fechando os olhos por um segundo, sobre a brisa morna que soprava do mar, a imagem de um Dorian em choque, na areia, encharcado, aos soluços surgiu-me. O acidente, o mar. E nós dois na praia.

Eu estava exausto e os trovões relampeavam no céu, mas permanecíamos sentados na varanda, assistindo a cada movimento da equipe de buscas que desbravava o mar a procura de outros sobreviventes.

Dorian tomou a mão sobre a minha, agarrando-a tão fortemente que poderia doer. Seus olhos estavam inchados e seu rosto enrubescido do choro. Encarei-o desoladamente, sem esperanças, mas tive a certeza que não poderia chorar, ou ele despedaçaria até o pó.

No entanto, apertei fortemente sua mão em retribuição e encarei mais uma vez a equipe de buscas.

--- Papai e mamãe não vão voltar pra casa, irmão?

Dei um longo suspiro aquele momento, incapaz de prever o futuro, mas desesperançoso de qualquer chance remota daquele milagre.

Sorri, entretanto, incapaz de soltar sua mão gorducha e desajeitada de quem está na quarta série.

Pisquei e aquele segundo finalmente virou pó, mas eu podia lembrar exatamente do que havia dito aquela tarde tempestuosa e aquelas frases preencheram minha mente por todo caminho enquanto dirigia para casa:

--- Do que você está com medo, Dorian? Eu estou aqui com você.

Mr. Bratv Where stories live. Discover now