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      (Katherine)

       Eu teria que esperar que amanhecesse até o próximo voo, então me encolhi em uma das cadeiras de uma cafeteria, apenas acompanhada por uma pequena bolsa como toda bagagem e um copo de café expresso. As horas arrastavam-se no relógio, infinitas em sua tortura. Repetindo-se como um açoite, eu tinha o amargo sabor dos lábios de Ian sob os meus, fazendo-me sentir ridícula.

     Sonolenta, vasculhei meu celular perdido entre minhas coisas. Sem saber se me sentia desgraçada ou afortunada, constatei a ausência de qualquer contato investido por Ian. Já passava das três da manhã e àquele maldito ponto minha decisão era irrevogável. Eu precisava de mais que coragem para revogar minha escolha, talvez até nenhum senso de amor próprio e eu não atravessaria aquela linha.

  Deslizei a cabeça contra a mesa de madeira, onde o café esfriava intocado. Nem mesmo o barulho ensurdecedor do ir e vir desconectava decentemente minha mente. Eu sabia o que precisava: o colo de minha irmã, sorvete de baunilha e todas as temporadas de Grey's Anatomy sequencialmente e sem pausa. Ian desaparecia entre meu sofrimento predileto e compactuado. Ao menos era o que eu precisava acreditar.

   Com um pulo que me fez levantar sobressaltada percebi que meu celular sinalizava uma chamada. Naquele maldito instante todo meu corpo formigou e eu não tive coragem de vislumbrar o sinalizador de chamadas, entretanto não desliguei. Engolindo em seco, atendi a ligação às cegas, incapaz de decidir se eu era muito idiota, desgraçada e burra, ou só uma mulher presa aquele maldito sentimento que mastigava minha racionalidade.

    --- Você pode me dizer por que infernos e maldições você não me atende, Hors?! --- O tom autoritário e o timbre daquela voz congelou todos meus músculos, incapacitante momentaneamente diante a névoa de atordoamento.

    Pisquei, incerta, tomada pelo sono que se misturava a angustia.

   --- Mr. Dorian. --- Balbuciei, voltando a sentar-me pesadamente sob a cadeira que protestou contra meu movimento. De repente minha consciência parecia deveras mais pesada, esmagada pela realidade inevitável dos fatos ocorridos e quando eu lembrei de Dorian e da nossa ultima viagem... eu soube que era o fim para aquilo também.

    --- Onde você está? --- Sua voz era repleta de autoridade, mas também de um sutil desespero que anestesiou meu corpo. --- Por qualquer senso de perigo que você tenha, não me faça recorrer a outros meios de conseguir esta informação. Você não vai querer me ver quando eu perder o que restou da minha paciência.

   --- Não se pode perder o que não se tem, Dorian. --- A piada deslizou entre meus lábios, mas logo me arrependi, mordendo o lábio inferior e desviando o olhar para o chão. Um segundo de silêncio se fez.

    --- Fale por si mesma.

    Todo meu corpo alardeou-se com aquela frase, como um aleta de perigo eminente. Podia sentir o calor eletrizante e violento daquelas palavras desviar meus pensamentos atormentados para a sensação controversa que atravessava meu estômago.

   --- Estou voltando para casa. --- Anunciei por fim, sem efeito, como uma sentença de morte lida com banalidade, deixando meus olhos desviarem até o copo de café frio. O silêncio marcou a ruptura do resto de autocontrole que nós dois tínhamos e antes que eu pudesse perceber, ao ter admitido em voz alta, meus olhos marearam de lágrimas quentes que precipitaram e escorreram silenciosas.

    Com o aparelho posicionado ao ouvido e às mãos no copo frio, deixei meus olhos divagarem através dos reflexos da vidraçaria do café repleta de pontos de luz e alcançar os passos apressados que arrastavam suas bagagens de um lado para o outro. Reprimi um suspiro, certa de tudo que ficava para trás aquela altura e do quanto parecia difícil admitir mais aquela derrota e voltar para casa. Esbocei um riso patético de mim mesma, consciente de Dorian do outro lado da linha.

Mr. Bratv Where stories live. Discover now