49.

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(Ian)
A estrada estendia-se infinita e espectral sobre a névoa que despontava para o fim do dia, enquanto o carro acelerava na pista molhada e o para-brisa se embaçava da umidade bolorenta que cercava o ar.

Em meus ouvidos um zunido ensurdecedor disfarçavam o chiado das rodas e cegavam-me quanto ao ponteiro que contabilizava 160 km/h. Entretanto, o perigo eminente de acidente soava como uma melhor das hipóteses àquela altura, porque o que a dor me fazia era desumano.

Mal podia respirar. Havia um peso sufocante, desesperador e combustível do pranto copioso e odioso que ardia garganta acima como ácido, entre soluços e fúria.

E não havia me restado nada e entre os escombros eu assistia em silêncio o desmoronar de todo um amor devoto e cego. Eu tinha aberto mão de mim em honra a ela, em culpa por ela e agora... não havia mais nada.

Nem mesmo a saudade que sustentava minha existência na esperança de que um dia pudêssemos estar juntos mais uma vez, se deus existisse e a morte não fosse o fim, restara. E eu me via no piloto automático, vazio por completo.

Havia uma dor — e eu não sabia o quanto dela me dominava — que erguia-se dentro de meu âmago, em brasas, e devastava tudo de mim: da última gota de empatia ao último fio de bondade. E eu voltava me a sentir um estranho, cultivando a sensação embriagante do gosto que o desejo de morte deixava no céu da boca, misturada com o leve perfume de Carol, que por vício ou memória olfativa repetia-se no ar.

E das vezes que desejei a morte, aquela parecia a mais sensata.

Atravessei o portal para saída da cidade, estritamente em direção à Los Angeles. A vegetação amarga ganhava cor com a pouca luz que provinha do céu nebuloso, mas eu me sentia frio, úmido e sujo, como musgo, repleto de área molhada e a sensação de que a perda não tinha sido a pior das coisas, a mentira sim.

As conexões óbvias, os sorrisos fingidos da estranha que com os mesmos lábios que me beija, jurava amor, declivava-se a traição, ao meu irmão. Uma onda descomunal de ciúme invadiu-me completamente. Ele tinha tido os últimos momentos dela somente para si e somente eles dois saberiam suas últimas palavras, seu último olhar e sentiria seu último beijo.

Por que eu ainda pensava possessivamente com amor e desejo em relação a mulher que tinha destruído minha vida?

Meus dedos apertaram-se contra o volante. A cólera amargava na garganta e eu sentia-me fraco pelas lágrimas que despontavam, porém segura-las era impossível. Sentia-me fraco por saber que no fundo, no lugar mais fundo de mim, eu ainda a amava e que aquele sentimento, misturado com o ódio, levaria a eternidade para se dissipar.

Ela havia conseguido atar-se a mim irrevogavelmente, abrindo um talho profundo quase incapaz de cicatrizar. E naquele instante eu a odiei com cada víscera por ter destruído minha vida, por ter tido meu amor como uma piada. No fim, ela parecia a pior das pessoas, das culpadas.

Mas o fato de ser Dorian a compactuar com aquela traição era o que tornava tão insuportável.

O mesmo Dorian que permaneceu ao meu lado em dor e sangue, que sobreviveu a Bratva e que esteve ao meu lado na perda, no sacrifício, agora flamejava em meu átrio de ira como se nunca, nunca houvéssemos partilhado o sangue, a mesa e a vida. O homem que tinha esperado Carol comigo no altar, como padrinho. O homem que chamávamos de família e dividíamos a ceia de natal. Meu único irmão.

Quantas e quantas vezes tinha me feito de idiota bem debaixo de meu nariz? Talvez até na minha casa, minha cama...

Eu estava ficando louco, tinha certeza porque todo corpo tremia em uma espécie de febre doentia, que cegava, ardia e dava-me uma razão para simplesmente não jogar o carro de frente a uma caminhão qualquer: a cólera.

Mr. Bratv Where stories live. Discover now