A Teimosia

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Quando se aproximou da meia-noite, depois de Jacob já ter ido embora, Bella perguntou se eu queria dormir ali e Renesmee fez questão de insistir. Eu disse que não precisavam se preocupar comigo, afinal, eu levaria apenas dois minutos para chegar à casa de Esme e Carlisle novamente. Acrescentei o fato de que aquela noite eu não dormiria, pois já havia gastado minhas horas de sono.

-Por favor, tia Anne. Meu pai falou que você conheceu Ludwig van Beethoven! Eu sou fã dele, como o meu pai!

Então eu olhei para Edward e Bella, que se entreolharam sorrindo. Eu sabia o motivo. Afinal, a expressão “tia Anne” também me pegara de surpresa.

-Renesmee, não se esqueça de que você precisa dormir. Mas acredito que Anne vai poder te contar as histórias dela e Beethoven, em outro dia. –Edward falou ainda sorrindo.

-Claro. –disse animada. Nessie era adorável igualmente a sua família inteira. Eu não teria problemas em passar um tempo com aquela jovem adulta.

Assim que Renesmee foi se deitar, eu conversei mais um pouco com Edward e Bella. Depois me despedi com formalidades e fui para o meu canto.

Os últimos momentos, na casa do telepata e sua esposa, haviam sido alegres. Eu não consegui esquecer totalmente do episódio anterior a aquilo, mas quase não pensei no mesmo. Pude constatar que eu realmente estava me apegando ao convívio social, de novo. Então veio o medo conhecido de perder, mas eu o afastei assim que me concentrei nos barulhos da floresta noturna ao meu redor, durante o resto dos dois minutos que levei para chegar ao meu destino.

Ao passar pela sala, parei para conversar com Carlisle, Esme, Rosalie e Emmet, por quase duas horas. O primeiro era um bom contador de histórias e as suas experiências de carreira dariam um belo livro. Talvez até uma saga.

Quando subi para o meu quarto e abri a porta, com o pensamento único de ouvir as sonatas de Beethoven, meus sentimentos mudaram de animosidade para raiva, em menos de um segundo.

-O que faz aqui? –questionei, fechando a porta atrás de mim, pois ele poderia muito bem sair pela varanda, nem que eu mesmo o empurrasse dela.

-Eu vim me desculpar. –Ethan falou, olhando em meus olhos seriamente. Ele estava ao lado do gramofone.

-Não tem outros quartos para você invadir? –sentei-me no divã, furiosa, ficando de costas para o invasor.

-Tecnicamente isto não é um quarto. –argumentou, irônico.

Respirei profundamente, para fazer com que minha paciência retornasse ao meu corpo.

-Ethan, por favor, saia. –pedi de maneira calma. Talvez se fosse desse jeito, ele sairia.

Ethan caminhou até a porta de vidro e, por um minuto, me senti vitoriosa.

-Eu contei para o Edward o que fiz você lembrar e para qual direção foi... –recuou, virando-se para mim e inclinando-se levemente até encostar seu ombro esquerdo na parede de vidro. Eu o observava, curiosa. Ele deu uma breve risada antes de continuar a falar. –E, por um momento, achei que fosse o meu fim.

Interpretei a questão que viria com aquele último comentário e não o deixei chegar a questionar.

-Edward leu meus pensamentos por descuido meu. Eu estava revelando as lembranças que eu tinha de nós, quando ele ainda era humano, e me distraí por um minuto, o que foi o suficiente para ele saber de quase toda a minha história.

-Você lê mentes como ele? –perguntou, estreitando os olhos para mim.

-Ler sim, mas posso fazer algumas coisas a mais.

-Tipo?

-Tipo bloquear meus pensamentos e falar mentalmente com alguém... Produzir minha voz na mente de quem eu queira. Embora eu não faça muito isso, porque me lembra de um bom amigo mouco, falecido há um bom tempo... Também posso retirar memórias dos outros.

-Pode devolver? –ele parecia empolgado.

-Consegui isso nos últimos trinta anos.

-Como? –em um segundo, Ethan estava sentado ao meu lado, o que me fez ir mais para a beirada do divã, me afastando dele. Ele percebeu, mas não comentou, então deixei por isso. –Qual a sua real habilidade?... Quero dizer, tem alguma que se relaciona com todas estas outras?

-Sim. Aprimoramento. -pensei por um instante antes de continuar a falar. Dizer sobre minha habilidade era um tanto constrangedor. -Além da minha mente, posso aprimorar qualquer sentido. Audição, olfato, visão, tato. Mas minha mente é o que mais costumo aprimorar.

Sabia quais perguntas viriam a seguir. "O quando você aprimorou?", "Por que?", "O que te levou a ter essas habilidades, quando humana?", entre outras. Sabendo que todas se relacionavam a minha história de sobrevivência, não era de se admirar não estar disposta a respondê-las. Então me pus em pé e fui até minha mochila, logo pegando minha escova e indo a passos humanos em direção a porta.

-Não precisa fugir. –ouvi a voz de Ethan, proferindo algo que me fez parar ao tocar a maçaneta.

-Preciso.

-Não vou tocar em assuntos delicados para você, eu prometo.

Eu analisei as possibilidades, realmente pensando em ficar e aquilo me trouxe um calafrio. Eu poderia ser amiga de alguém que não fosse os Cullen ou Quileutes? Ainda mais, eu poderia confiar em Ethan?

“Fuja... Fique”, qual seguir?

-Eu preciso escovar os dentes. –argumentei, sem olhar para o vampiro.

-Não precisa. –falou sorrindo, pelo o que pude interpretar.

Eu precisava pensar melhor. Ethan estava se aproximando de mim a passos humanos.

-Você está perdoado e... Tenho alguns hábitos que não quero perder. –respondi e logo saí do sótão.

Somente quando estava no banheiro foi que percebi que não o pedi para sair do meu canto e nem havia dado a intenção daquilo. Eu momentaneamente me odiei por isso, pois comecei a sentir um medo absurdo de Ethan se aproximar, ganhar meu afeto e partir de uma forma dolorosa. Eu precisava fazê-lo sair de perto de mim. Mas foi quando me veio um pensamento rápido: “Eu conseguiria?”. Era fato que outra característica marcante daquele vampiro seria a teimosia. Então senti outro calafrio percorrer meu corpo.

Where I Go?Where stories live. Discover now